Lorenzo Charles. Foi melhor a emenda que o lançamento
Houston Cougars de Akeem Olajuwon e Clyde Drexler eram os grandes favoritos mas NC State manteve-se na luta até ao final e venceu de forma… original, no último segundo do jogo. O triplo de Dereck Whittenburg saiu demasiado curto mas Lorenzo Charles foi a tempo de corrigir a trajetória da bola e provocar o pandemónio nos festejos.
Um caminho improvável
O choque do título dos North Carolina State Wolfpack em 1983 transcende o jogo da final. Olhando para o percurso durante toda a temporada, é difícil não encontrar inúmeros momentos em que se pensa que devia ter sido o fim. Mas nunca foi. A equipa comandada pelo agora lendário Jim Valvano foi superando obstáculo atrás de obstáculo, derrubando impossibilidade atrás de impossibilidade e venceu a final por dois pontos.
NC State foi a primeira equipa a ser campeã depois de perder dez jogos durante a temporada, seis deles num intervalo de oito encontros. Sete das últimas nove vitórias aconteceram em jogos em que tinham estado em desvantagem no derradeiro minuto. A presença no torneio final só foi possível devido a uma improvável vitória no torneio da divisão. Já na March Madness, derrotaram Virginia, uma equipa com quem tinham perdido duas vezes durante a fase regular. E logo na estreia, contra Peperdyne, estava a perder por seis pontos a 24 segundos do fim.
«Na realidade, provavelmente nem estávamos entre as três ou quatro melhores equipas da divisão», reconheceu Mike Warren, um dos jogadores que fizeram história. Mas, destaca, NC State conquistou o título ao derrotar uma equipa «que tinha Akeem Olajuwon [só ganhou o H no primeiro nome mais tarde] e Clyde Drexler, dois futuros top-50 na história da NBA».
E o caminho até lá chegar também foi impressionante. «Batemos uma equipa que tinha a futura segunda escolha do draft (Len Bias). Vencemos uma equipa que tinha provavelmente o melhor jogador de sempre (Michael Jordan). E batemos um dos melhores jogadores universitários de sempre: Ralph Sampson. Não era suposto acontecer», disse.
Mas aconteceu. A 4 de abril de 1983 em Albuquerque, no Novo México, os Wolpack contrariaram todas as previsões e derrotaram os favoritíssimos Houston Cougars por 54-52. Mais mediático do que o triunfo foi a forma como ele foi alcançado: Dereck Whittenburg improvisou um lançamento triplo praticamente do meio-campo mas a trajetória foi muito curta. Lorenzo Charles saiu da marcação de Olajuwon e, sozinho, corrigiu o caminho da bola e garantiu o triunfo com um afundanço.
Nas barbas do gigante
Akeem Olajuwon foi surpreendido. O poste nigeriano, o último derrotado a ser considerado o melhor jogador da final four, muito por culpa dos 20 pontos, 18 ressaltos e sete desarmes de lançamento no jogo decisivo e 21 pontos, 22 ressaltos e oito desarmes na meia-final, teve medo de fazer goaltending e afastou-se da jogada.
Lorenzo Charles arriscou e teve sucesso. Para ele, era uma longa redenção a fechar um ciclo de oito meses. No Verão anterior, na universidade, tinha acordado uma manhã com dois polícias a baterem-lhe à porta com um mandado de detenção. Porquê? Porque na noite anterior tinha, juntamente com uns amigos, roubado duas pizzas a um empregado que fazia uma entrega no dormitório.
A pena foi dura, muito dura: dez anos de pena suspensa, 300 horas de trabalho comunitário, trabalho extra na esquadra da polícia e sessões de aconselhamento psiquiátrico. Os jornalistas, sedentos de sangue, foram rápidos a perguntar ao treinador, Jim Valvano, se Lorenzo seria dispensado.
«O treinador apoiou-me e isso foi importante», disse após a vitória na final. «Sim, a sentença foi demasiado dura para aquilo que fiz, mas não me estou a queixar. Ajudou-me a crescer. Antes não levava as coisas tão a sério e este episódio ajudou-me a concentrar. Se não fosse assim, provavelmente não teria tido aquela ação na última jogada.»
Tudo correu como planeado
NC State começou a surpreender Houston logo na primeira parte e não precisou de muito para aproveitar as fraquezas dos Cougars. Clyde Drexler fez quatro faltas na primeira parte e teve o seu tempo de jogo drasticamente reduzido por causa disso. Olajuwon, apesar da estatística individual, também não esteve ao seu nível, por causa da altitude.
As condições de Albuquerque tornaram-se demasiado complicadas para o desempenho do nigeriano, que foi visto a receber oxigénio várias vezes durante a partida. Ainda assim, e apesar da desvantagem 25-33 ao intervalo, Houston reagiu e chegou a uma vantagem de sete pontos no segundo tempo.
Aí, o objetivo mudou. Era preciso preservar a energia das estrelas e o ritmo de jogo baixou. Foi um erro. NC State aproveitou e manteve-se sempre por perto do marcador e, com menos de dois minutos para o final, desferiu o golpe de génio.
Com um empate a 62, Jim Valvano estabeleceu a estratégia da equipa: deixar os Cougars trocarem a bola e queimarem o tempo que restava mas correndo rapidamente para fazer falta assim que Alvin Franklin recebesse a bola.
Era um jogador inexperiente, pouco habituado a esta pressão, e Jim Valvano acreditava que vacilaria num momento decisivo. Tinha razão. Falhou o lance livre (só haveria segundo se convertesse o primeiro) e ofereceu a última posse de bola aos Wolfpack. Aí, foi o que já se sabe. Whittenburg não conseguiu encontrar uma boa jogada e acabou por fazer o lançamento desejado. A emenda de Lorenzo Charles, que tinha marcado apenas dois pontos durante o encontro, fez o resto.
Um treinador eufórico
Os festejos de Valvano foram quase tão famosos como o lançamento. Eufórico, incrédulo com o que tinha acabado de acontecer, correu pelo campo de braços no ar, como se procurasse alguém para abraçar sem nunca encontrar.
Um pormenor interessante? Estava doente, com 40 graus de febre. «Somos os campeões nacionais! Estamos no topo do mundo! É inacreditável! É fabuloso! É fantástico! Sinto-me terrivelmente mal», disse, mantendo sempre a boa disposição.
«Se gostei de Albuquerque? É a mehor cidade que Deus alguma vez já fez. E a minha mulher vai engravidar – ela ainda não sabe disto – e vou chamar à criança Al B. Querque», continuou, num período de euforia dividido entre a febre e o título de campeão.
O feito de NC State entrou na história como a maior surpresa de uma final. Uma equipa que não tinha nada de estar ali, no momento de decisão, mas não só lá chegou como conseguiu vencer. O triunfo foi um exemplo para os norte-americanos.
«Foi maior do que um jogo de basquetebol. Lembro-me de algumas cartas que recebemos, o efeito que tivemos na vida das pessoas. Diziam-nos que ver-nos jogar as inspirou a alcançar mais, a serem melhores pessoas. Foi uma lição sobre perseguir os sonhos de cada um», disse Thur Bailey, um dos jogadores.
O futuro não foi amigável para as duas principais figuras daquela noite. Lorenzo Charles chegou à NBA em 1985 como 41.ª escolha do draft (Atlanta Hawks) e fez apenas 36 jogos. Depois de jogar na Europa e na América do Sul, terminou a carreira e tinha um emprego como motorista quando teve um acidente ao volante de um autocarro a 27 de junho de 2011, com 47 anos.
Jim Valvano tornou-se uma figura lendária no mundo do basquetebol universitária mas morreu em 1993, um ano depois de lhe ter sido diagnosticado cancro. Semanas antes de morrer, numa cerimónia da ESPN, protagonizou um dos discursos mais comoventes sobre a importância de nunca dar nada por perdido.