Libby Kosmala. De não saber onde é o gatilho a disparar para a glória
Não há um tempo definido para entrar na história. Para Usain Bolt, 9,58 segundos foram mais do que suficientes para ainda hoje ser recordado não só como o homem mais rápido do mundo como alguém capaz de construir um dos feitos mais impressionantes e irrepetíveis de se presenciar.
Mas também existem os momentos tântricos. Aqueles que demoram a construir. Aqueles que isoladamente podem valer muito pouco mas que cumulativamente, e com o passar dos anos, se tornam absolutamente vitais para compreender a beleza do desporto
Se a primeira é a história de Usain Bolt, a segunda é a de Libby Kosmala. Falar de Libby Kosmala é falar de alguém que sempre soube controlar o melhor o tempo do que deixar que o tempo a controlasse a ela.
Libby Kosmala não se limitou a participar nuns Jogos Paralímpicos. Nem em dois, três quatro ou cinco. Foram doze. Começou em Heidelberg, onde Portugal se estreou com uma equipa de basquetebol de cadeira de rodas em 1972, e continuou até 2016.
As ameaças de retiradas foram muitos mas o adeus definitivo só chegou em agosto de 2020, quando os Paralímpicos de Tóquio já tinham sido adiados por um ano. «Despedi-me oficialmente. Já fui a Jogos suficientes, mais do que muita gente», disse a atleta na altura com… 78 anos. Libby também brincou: «Não sei como será a sensação de ver uns Paralímpicos pela televisão, não estou habituada a isso».
A atleta australiana tem um cartão de visita impressionante. Paraplégica depois de complicações no parto, arranjou uma forma de definir a sua vida e praticou um pouco de tudo. A ideia seria competir em Telavive-1968, mas um erro organizativo deixou-a apenas como assistente. Dois anos depois, nos Jogos da Commonwealth parece ter-se vingado e apareceu a competir no tiro com arco, na esgrima, no pentatlo, na natação e nas categorias de corrida de cadeiras de rodas. Difícil seria acreditar que não seria uma ameaça série para os Jogos de Heidelberg, em 1972.
A estreia ficou marcada com uma medalha de bronze na estafeta mista dos 3x50 metros mas não foi a natação que fez de Libby Kosmala. Foi o tiro: «Deram-me uma espingarda para as mãos, eu carreguei-a e disseram-me para acertar no ponto preto do alvo. Tive de perguntar onde era o gatilho, era a este nível o meu conhecimento sobre tiro».
A aprendizagem foi imediata e os anos seguintes foram marcados por medalhas. Em Toronto-1976 venceu a primeira de nove medalhas de ouro e em 1984 venceu o título em todas as quatro provas em que participou. Quatro depois, curiosamente, além de conquistar mais três medalhas de ouro e uma de prata, ainda viu o marido vencer o ouro em bowls.
Edição após edição, Kosmala continuou a competir mas os resultados fugiram ao desejado. As últimas medalhas foram mesmo conquistadas em 1988 e terminou com um pecúlio de, entre tiro e natação, nove medalhas de ouro, três de prata e uma de bronze. O treze foi, assim, um número do azar.
A carreira paralímpica continuou até ao Rio de Janeiro - altura em que se tornou a atleta mais velha de sempre em Paralímpicos (74 anos) e, pelo meio, teve oportunidade de competir diretamente contra o marido. Em Sydney-2000, a competir em casa, numa prova mista de tiro de carabina, o quadro ditou um duelo e uma vitória contra o homem com quem partilhava a vida. Ganhou, claro está. Porque Libby não sabia fazer outra coisa.