Laurel Hubbard. A mulher trans que não foi a Tóquio para mudar o mundo
«Sou o que sou. Não estou aqui para mudar o mundo. Quero apenas ser eu própria e fazer o que gosto de fazer.» Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, não é nada a grandes declarações mas esta, de 2017, depois de ganhar duas medalhas de prata no Mundial, não deixou pano para mangas.
Laurel Hubbard não estava preocupada em ser pioneira. Não queria ser vista como um exemplo. Não queria esmurrar a porta e deixá-la aberta para que mais se pudessem seguir. Mas o mediatismo pré-Tóquio trocou-lhe as voltas. Para muitos, não haverá dúvida de que Laurel Hubbard foi a primeira mulher transgénero a competir em Jogos Olímpicos. Pelo menos é a sensação com que todos ficámos depois dos meses que antecederam Tóquio-2020.
Não é bem assim. Os atletas transgéneros têm possibilidade de competir nos Jogos Olímpicos desde 2004 e, de facto, só em Tóquio é que houve lugar à estreia… de atletas abertamente transgéneros. Mas não foi apenas Laurel Hubbard. O mesmo aconteceu com Alana Smith no skateboard («Não quero ser conhecida como uma boa mulher skateboarder mas apenas como uma boa skateboarder, alguém que fez a diferença. O género não devia importar»), Chelsea Wolfe do BMX (era suplente e não chegou a competir) e com Quinn, da seleção canadiana de futebol que venceu a medalha de ouro na prova feminina.
Ao contrário de Laurel Hubbard, Quinn quer marcar um impacto na comunidade LGBTQ. «Se o conseguir fazer, então estou a alcançar algo no meu tempo no desporto. Acho que é algo que me dá valor além da minha experiência atlética com o futebol», disse.
Quinn falou abertamente do seu caso pela primeira vez em setembro de 2020: «Queria ter autenticidade em todas os momentos da minha vida. E uma delas era na esfera pública. Havia um cansaço de se manter sempre a confusão sobre quem era verdadeiramente, o meu género. Quando estava a descobrir quem era, era assustador e não percebia se tenha futuro no futebol ou um futuro na vida. Acho que tornar-me visível é muito importante e ajudou-me a descobrir a minha identidade. Espero ajudar outros a sentirem-se seguros a optar pelo mesmo caminho e criar um espaço. Tenho muito orgulho pelo que fiz e sei que os Jogos Olímpicos de 2020 serão uma enorme plataforma para ter esta visibilidade».
Se havia quem desejasse essa plataforma, Laurel Hubbard estava do lado oposto, até porque tem sido alvo de críticas de quem insiste que não devia poder competir em provas femininas de halterofilismo, sobretudo por já ter feito o mesmo no passado quando era homem. É que, ao contrário de Quinn e de Alana Smith, Laurel já foi homem. Chelsea Wolfe também mas não chegou a competir.
Vamos por partes: Laurel Hubbard tem 43 anos. Começou a praticar halterofilismo na adolescência mas desistiu com 23 anos. Fez a transição para mulher e voltou a competir internacionalmente em 2017, em cima dos 40 anos.
«Uma das muitas confusões sobre o meu passado é de quem acha que treinei para isto a vida inteira e a transição foi já numa fase tardia da vida. O que não percebem é que parei em 2001, com 23 anos, porque tudo era demasiado. Fiz a transição já nos 30 anos e só depois voltei a competir. O mundo mudou e agora sinto-me numa fase em que consigo lidar com isto», disse em 2017.
O mediatismo perseguiu-a quando voltou a competir internacionalmente, até porque foi alvo das críticas das adversárias, mas Laurel foi capaz de seguir em frente. «Não vou dizer que não foi difícil. É preciso ser um robô para não me sentir afetada pelo que as pessoas dizem. Não posso controlar o que as pessoas pensam, o que sentem, o que acreditam, nem vou tentar. Esse não é o meu trabalho. Tudo o que posso fazer é tentar levantar peso no meu limite e o que tiver de acontecer, acontecerá».
Em Tóquio… não aconteceu grande coisa. Logo no arranque (gesto em que o peso é levantado num único movimento), Laurel Hubbard tentou começar com 120 quilos, o que lhe daria o segundo lugar, e falhou. Subiu para os 125 quilos nas duas restantes tentativas e falhou novamente, tornando-se a única atleta entre as 14 participantes a não registar qualquer peso.