Lamine Guèye. Criar uma federação sozinho para cumprir um sonho
Tinha o sonho de ver neve quando foi viver para a Suíça e, mais tarde, descobriu o esqui. Senegalês, não descansou enquanto não criou uma federação, mentindo um pouco pelo caminho, que lhe permitisse chegar aos Jogos Olímpicos. A mãe achou que estava doido mas Lamine não desistiu e chegou a Sarajevo-1984 ensanduichado por americanos e soviéticos.
Do Senegal para o coração da Europa
«Aluno turbulento, mandaram-me para a Suíça para refrescar as ideias. Aí, descobri a neve e o esqui. A paixão da minha vida. E criei o meu sonho: representar o Senegal nos Jogos Olímpicos de Inverno. O mais maravilhoso é que consegui. Em Sarajevo, em 1984.»
Se a palavra Senegal e a data 1984 não estivessem na citação anterior, esta podia ser a vida de qualquer atleta de desportos de inverno. Mas não é. É a de Lamine Guèye, o rapaz irrequieto enviado para a Europa depois da morte do avô, em 1968, que fez história e se tornou o primeiro negro a participar numa edição dos Jogos Olímpicos de Inverno (Tofiri Kibuuka, norueguês nascido no Uganda, participou oito anos antes na primeira edição dos Jogos Paralímpicos de Inverno, em Örnsköldsvik).
Aos oito anos, a mãe e a avó decidiram enviá-lo para a Suíça para o «acalmar». O primeiro choque não foi a língua, a cultura, os costumes. «É tudo verde à minha volta. Nada de neve. Na minha cabeça, ela continuava tão longe como a lua», lembrou. Teve de esperar pelo início desse inverno, uns dias depois do natal. «Estava um silêncio pouco habitual na rua. Abri as persianas e o branco incendiou-me as retinas.» O momento é mágico para o miúdo nascido em 1960 – e marca o início da sua história no desporto.
Aos 17 anos, já tinha como sonho o esqui – mas o desporto que pratica é o hóquei. «De volta ao Senegal, uma manhã, disse à minha mãe que ia criar a Federação Senegalesa de Esqui. Ela achou que estava doido, mas a ideia ficou.»
Durante o ano seguinte, redigiu os estatutos da futura federação em três línguas, e «aldraba um pouco» ao dizer que são 47 os esquiadores senegaleses, apesar de ser o único. O tempo passou mas, apesar da boa receção à ideia por parte do presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, os jogos de Lake Placid em 1980 ainda não contam com nenhum senegalês.
Rumo a Sarajevo
Quatro anos depois, no entanto, Guèye é surpreendido pelo Comité Olímpico Internacional, que lhe permite competir pelo Senegal em Sarajevo, nas provas de downhill e slalom gigante. Os anos anteriores tinham sido um rol de lesões e paragens, mas finalmente ia ter a sua oportunidade. E podia competir ao lado do seu ídolo, o austríaco Franz Klammer.
«Na aldeia olímpica, ando como uma criança na Disneyland. Está tudo envolto numa neblina mágica e eu sozinho, sem um treinador. Nas ruas e corredores, muitos atletas falam espontaneamente comigo. Solidariedade, respeito, o verdadeiro espírito olímpico», recorda.
Na cerimónia de abertura, observa o ambiente. Dos Estados Unidos vêm cerca de três centenas de atletas, duas centenas representam a União Soviética. A ordem de entrada dita que é entre essas delegações que estará.
«Eu estou completamente sozinho. Quando entro na arena, ensanduichado entre americanos e soviéticos, agarro com todas as minhas forças a bandeira do Senegal. À minha frente, o estádio levanta-se e começa a gritar ‘Senegal! Senegal!’. Expludo em lágrimas, é o culminar de um sonho. Queria que o meu pai e o meu avô me vissem. Penso no Senegal e, de repente, apercebo-me do simbolismo da minha presença: nunca um esquiador da África negra tinha participado nuns jogos de Inverno!»
Nessa noite não consegue dormir, e traça a sua missão: não desiludir o continente africano. Quer fazer a corrida da sua vida, e pensa até em medalhas, “como todos os atletas”. Na prova de downhill termina na 51.ª posição; no slalom gigante é 57.º.
O resto é história. Depois de Sarajevo, Guèye decide ficar temporariamente fora das pistas, e é na televisão que vê, em 1988, a equipa jamaicana de bobsleigh a competir em Calgary. Volta ao ativo logo depois, e participa em cinco eventos nos jogos de 1992 (Albertville) e na prova de downhill em 1994 (Lillehammer), apesar de não conseguir chegar ao fim.
SSM