LA Dodgers. Do mercado negro à fúria latina
O jogo não fazia parte da agenda mas decidimos ir à descoberta. Quando demos por nós, estávamos presos no trânsito rumo ao parque de estacionamento. Era o primeiro jogo da época em 2010 e, apesar de os bilhetes terem esgotado, encontrámos uma alternativa. É suposto temer pela vida num jogo de basebol? Talvez…
Dose dupla em Los Angeles
Terça-feira, 13 de abril de 2010. É dia de Benfica-Sporting na Luz mas estamos em Los Angeles há quatro dias com uma agenda diária que praticamente só envolve desporto. É dia de ver os Lakers, às 19h30, mas, ao ler o LA Times na véspera, apercebemo-nos de que há uma possibilidade interessante: acrescentar o jogo dos Dodgers, marcado para as 13h00.
Estamos instalados num motel na baixa de Los Angeles, a uma distância confortável para ir até ao Staples Center a pé, mas precisamos de recorrer ao carro para ir até ao Dodger Stadium. Fazemos as contas e decidimos arriscar. Sim, não deve haver problema em ir ver o basebol, voltar e ver os Lakers.
Esquecemo-nos de um fator essencial: o trânsito. O caminho demoraria cerca de dez minutos, mas as estradas estão impossível. O nosso GPS parece precisar de aconselhamento psiquiátrico e as estradas que vão dar ao estádio parecem as do Jamor. De um lado e do outro, há gente instalada na berma a fazer churrasco.
Hoje, sete anos depois, percebemos o quão ignorantes éramos. Estávamos a entrar no olho do furacão para tentar ver o primeiro jogo dos Dodgers em casa. Parados no meio do trânsito, perguntamos a um polícia e ele confirma-nos: «Sim, é a estreia na temporada».
Uns metros depois, novo balde de água fria. Um pequeno placard eletrónico informa-nos que a lotação está esgotada. Resignados, percebemos que perdemos tempo e agora ainda vamos passar muito tempo no trânsito a tentar voltar para trás. Ou pelo menos assim pensávamos.
O fluxo dos carros é um caudal de sentido obrigatório que vai desaguar ao parque de estacionamento do estádio. Um parque de estacionamento pago, perceba-se: 15 dólares. «Bom, ao menos vamos dar uma volta para perceber como é o ambiente».
E se… arranjarmos bilhetes?
A vista é impressionante. Conseguem ver-se os prédios mais altos da baixa de Los Angeles e o estádio fica perfeitamente integrado num parque natural, uma vez mais a fazer lembrar o Jamor. Chegámos com alguma antecipação, por isso o parque de estacionamento ainda tem muitos lugares vazios.
Perto do nosso carro, percebemos que há um sinal a fazer lembrar o de Hollywood, mas com letras azuis e a inscrição «Think Blue», que faz referência a uma das cores dos Dodgers. Dirigimo-nos à loja e, pela primeira vez, somos abordados por um homem que nos diz ter bilhetes. Ignoramos.
O estádio está esgotadíssimo. É o primeiro jogo da época. E não temos a perfeita noção de quanto custa um bilhete neste caso. Uns dias antes, nas bilheteiras, jogos para os Kings (NHL) e Clippers (NBA) não eram vendidos abaixo dos 100 dólares. O rombo no orçamento, especialmente tendo em conta que tínhamos credencial para um jogo dos Dodgers dois dias depois, não se justificava.
De repente, a insistência. «Mas vamos ao menos ver quanto é que custa, o que te parece?» Definimos, entre nós, o preço máximo que estamos dispostos a pagar e a resposta surpreende-nos. Pede-nos 50 dólares por cada um e parece-nos baratíssimo. Estávamos mal habituados. Os bilhetes são para a bancada superior, junto à primeira base, e vão-nos custar o dobro do que marca o papel. Mas, ainda assim, pareceu-nos um negócio justificável.
Capital latina
O ambiente era, acima de tudo, latino. Se Los Angeles tem uma ligação muito forte ao mundo latino, o estádio dos Dodgers naquela tarde parece ser a capital.
O clima é de festa. Há vendedores ambulantes que prestam todo o tipo de serviços: vendem pistácios, amendoins, bebidas, gelados, limonada congelada… Havia de tudo, até funcionários que se ofereciam para tirar fotografias.
O primeiro jogo da época é assim mesmo, especial. E ninguém quer perder pitada. Não há outra altura na temporada em que as esperanças sejam mais fortes, especialmente para uma equipa que não vence a World Series desde 1988.
O calor é abrasador e exige que nos refresquemos com frequência. Se nós escolhemos água e limonada congelada, há quem se dedique exclusivamente à cerveja, apesar do limite de venda por adepto. De pouco vale: a fatura das horas passadas fora do estádio a beber vai chegar mais tarde ou mais cedo.
Tudo pronto para a festa
A altura da cerimónia oficial está a chegar. Depois dos assobios fortes para os jogadores dos Diamondbacks do Arizona, surge a euforia para os da casa. O lançador titular é Clayton Kershaw. Está na sua terceira época mas já é uma referência: não tanto como agora. E a equipa ainda tem vedetas como Manny Ramírez, Matt Kemp ou Andre Ethier.
Antes do hino, uma enorme bandeira é disposta no relvado e LeAnn Rimes é apresentada para cantar. Barack Obama é o presidente, a polémica da violência policial está longe de surgir com tanta insistência e não há sinal de protestos. Perto do final do hino, como habitual, surgem quatro aviões a jato a sobrevoar o estádio, provocando a euforia entre os adeptos cada vez mais embriagados pelo espírito do jogo e… pela cerveja.
O jogo segue o seu rumo natural e percebemos, pela primeira vez, quão diferente é ver um jogo de basebol ao vivo quando comparado com a televisão. É preciso um período de adaptação para encontrar os ecrãs que nos mostram a contagem e outro de concentração para garantir que não nos perdemos entre tantos pormenores num enorme estádio.
Confirmamos as tradições que aprendemos na televisão. O «Take me Out to The Ball Game», escrito em 1908, é uma presença obrigatória nos jogos de basebol e é cantado de pé. O «God Bless America» é outra obrigação no sétimo inning. Mas nos Dodgers há outra música que é rainha e que contou com o coro dos 56 mil espectadores: «Streetlight People».
Festa estragada
O jogo segue à nossa frente mas a maior parte dos olhos estão virados para trás. O excesso de álcool começou finalmente a provocar consequências e há adeptos que se envolvem em confrontos. Começam a chover cervejas, murros e pontapés e parecemos estar, não no epicentro da confusão, mas logo na primeira zona de impacto.
Com t-shirt pingada com cerveja, escapamos à confusão mas a sensação de segurança demora a aparecer. Os ânimos estão muito exaltados e nem a chegada da polícia ajuda. Há adeptos que resistem e um deles cai do lanço de escadas e bate violentamente com a cabeça num degrau.
Está a ser detido por um polícia e, apesar de abananado pelo impacto, resiste. Como bons americanos, os restantes vão filmando e ameaçando a polícia: «Isto vai para o YouTube. Vocês não podem estar a tratar-nos assim!»
A situação podia ter sido mais grave mas no dia seguinte soubemos, através do jornal, as marcas da festa desmedida: durante o jogo foram detidas 132 pessoas.
Um novo jogo de basebol
Os LA Dodgers venceram (felizmente, ajudou a acalmar os ânimos) mas ainda tínhamos um novo jogo pela frente: voltar para o motel. Por esta altura, já o parque de estacionamento estava completamente cheio e todos queriam sair ao mesmo tempo.
Isto é importante escrever: esqueçam tudo o que acham dos condutores portugueses. De como somos sacanas e não cedemos passagem a outros. Na verdade, não passamos de uns meninos. Apesar de termos estacionado o carro a menos de 100 metros da saída, demorámos mais de uma hora a percorrer essa distância.
Deve ser este o verdadeiro sonho americano. Cada um por si a tentar ter sucesso, ignorando o outro. Mesmo ao nosso lado, o condutor de um monster truck chega quando já estamos há vinte minutos no carro e demora cinco minutos a conseguir sair. Afinal, quem é que tem coragem para não dar cedência a um carro cujas rodas são o dobro do seu tamanho?
Nós fazemos parte dos comuns mortais. Os carros com mudanças automáticas seguem a cinco centímetros do da frente e não há grande margem de manobra. Esperamos, esperamos, vamos avançando lentamente e, quando chega a nossa vez de entrar no fluxo principal, só nos safamos quando falamos diretamente com o condutor de quem nos vai deixar passar.
A partir daí, tudo é mais simples. Chegamos a tempo ao motel e vamos a pé até ao Staples Center. O ambiente é tão diferente que sentimos que acabámos de atravessar várias dimensões de regresso à normalidade. Ah, e os LA Lakers venceram os Sacramento Kings.
RPS