Kurt Landauer. O homem que não deixou os jogadores do Bayern passar fome
Jogou no Bayern e foi presidente do clube em três ocasiões diferentes, entre 1913 e 1951. Judeu, viu o seu futuro no clube afetado pelos nazis e no período pós-guerra pôs em prática uma ideia para que os jogadores não passassem fome: os «Kalorienspiele». Por outras palavras, a equipa andava de terra em terra a jogar futebol em troca de comida.
A Alemanha no pós-guerra não tinha para onde se virar. Em cada cidade, esquina e ruela, o rasto de destruição do período nazi e bombardeamento das forças aliadas estava presente. Com os acessos limitados pela guerra, a alimentação tornou-se uma das maiores preocupações de todos.
Quando Kurt Landauer assumiu a presidência do Bayern pela terceira vez, em 1947, soube que esta tinha de ser uma das maiores prioridades. O país estava a passar fome e, mesmo quando comia, era quase sempre uma alimentação deficiente. Magros e malnutridos, os alemães precisavam de uma solução. Os jogadores do clube de Munique não eram uma exceção.
Landauer jogou com o que tinha: a fama. Hoje as maiores figuras do plantel ganham dezenas de milhões de euros por ano, mas na altura estavam preocupados apenas em comer. Sem comida, eram incapazes de desempenhar o seu papel no campo. A República Federal da Alemanha estava a dar os primeiros passos – muito mais rápidos do que na vizinha Democrática – para um novo futebol e o presidente do Bayern decidiu inovar, criando os Kalorienspiele.
A tradução literal é suficientemente esclarecedora: Jogos de Calorias. O princípio era simples: os jogadores faziam uma digressão pela região da Baviera para defrontar equipas locais, formadas por simples habitantes que faziam fila para terem a oportunidade de defrontar alguns dos melhores jogadores do país, parte da equipa campeão da Alemanha em 1932. Quem é que não quereria? Em troca, tinham apenas de apresentar cabazes de comida que fossem suficientes para o plantel se alimentar.
O pagamento em géneros alimentares foi uma ideia simples mas que fez a diferença na qualidade de vida dos jogadores. As vilas e aldeias por onde passavam contribuíam para a iniciativa com muito gosto e o sacrifício era mais do que recompensado pela oportunidade de dizer que, um dia, jogaram cara a cara com os jogadores do Bayern Munique.
Quem era Kurt Landauer?
Visionário, Landauer foi fundamental na afirmação do Bayern Munique enquanto potência do futebol germânico. Judeu, nascido em 1884, chegou a atuar pelos escalões de formação da equipa, mas abandonou a Alemanha uma primeira vez, em 1901, para ir estudar para a Suíça, em Lausanne.
Quando voltou, quatro anos depois, jogar futebol já não estava nos seus planos. Mas a sua formação académica, como banqueiro, abriu caminho para assumir a presidência do Bayern, em 1913.
O período era delicado e a Grande Guerra obrigou-o a deixar o cargo e a ir para a frente de combate, defender a Alemanha. Mais tarde, com o fim do conflito, voltou ao lugar que todos julgavam ser seu por direito próprio. Foi reeleito em 1919 e, tirando uma curta paragem em 1922, manteve a posição até 1933.
O Bayern cresceu com ele. Foi campeão pela primeira vez em 1932 e beneficiou largamente da visão de Landauer para o futuro. Ignorando a pressão de outros membros, que queriam a construção de um novo estádio, o presidente investiu na equipa, sobretudo na formação.
Mais uma vez, o seu futuro foi afetado pela instabilidade política. Os nazis fizeram do Bayern um alvo fácil, e não apenas por ter um presidente judeu. A profissionalização do clube caminhava no sentido contrário da filosofia nazi, que pretendia a consolidação do estatuto amador. Para o regime de Hitler, o futebol profissional não era mais do que uma «conspiração dos judeus».
Kurt Landauer não teve outra solução que não demitir-se do cargo. Dentro e fora do desporto, a vida estava difícil para si e também acabou desempregado. Detido pelos nazis, foi enviado para o campo de concentração de Dachau, onde se manteve apenas 33 dias por ter combatido durante a Grande Guerra.
Os nazis permitiram que saísse do país em 1939, novamente em direção à Suíça, mas a família ficou toda para trás. Desta feita, o regresso só aconteceu oito anos depois, onde não perdeu tempo a reassumir a presidência pela terceira e última vez. Os Kalorienspiele foram apenas o primeiro passo do reerguer de um clube que hoje é historicamente o melhor do futebol alemão. Landauer deixou o cargo, definitivamente, em 1951, mas o seu legado mantém-se preservado até hoje.