Kenneth Kaunda. O pai do futebol zambiano
Presidente da Zâmbia entre 1964 e 1991, fez tudo para promover o futebol para unir o país. Em 1974, como recompensa pelo segundo lugar na CAN, enviou a seleção para a Alemanha para assistir ao Mundial.
Identidade através do futebol
«Não é fácil reunir 73 tribos diferentes que falam, literalmente, 73 línguas diferentes para conseguir criar uma identidade. E o futebol tem sido impulsionador neste aspeto, o futebol tem tido um papel muito importante em fazer de todos nós um povo, uma nação.»
Dennis Liwewe é o comentador de futebol mais famoso na Zâmbia e não tem dúvidas sobre a importância que um desporto consegue ter para unir um país com tantos motivos para estar dividido. Kenneth Kaunda, primeiro presidente da Zâmbia, foi o primeiro a percebê-lo, desde muito cedo, quando iniciou o mandato inicial em 1964.
A paixão pelo futebol fez o resto. Kenneth Kaunda não só quis unir o país através do desporto como fez todos os possíveis para que a modalidade se tornasse uma referência a nível continental. Mais do que um passatempo, era uma obsessão, e levou a que a seleção da Zâmbia fosse conhecida, durante muitos anos, como KK11, devido às iniciais do seu presidente.
O carinho pela seleção
A seleção zambiana era vista praticamente como uma filha. Kaunda não se poupava a esforços e fazia tudo o que estava ao seu alcance para que todas as condições fossem reunidas para que os jogadores só precisassem de chegar à hora do jogo preocupados com o que tinham de fazer em campo.
Era hábito receber a equipa antes das viagens ao estrangeiro. Na residência oficial, não lhes poupava esforços e fotografias da época demonstram que chegava a ser ele a servir-lhes a comida e a lavar os pratos no final.
Para Dickson Makwasa, um dos melhores jogadores na história da Zâmbia, «sem ele [Kaunda], o futebol zambiano não teria ido a lado nenhum. Uniu-nos e fez-nos jogar como equipa. Disse-nos que quando estávamos em campo tínhamos de ser embaixadores».
Uma viagem ao Mundial-1974
A Taça das Nações Africanas em 1974 foi o primeiro grande momento na história do futebol zambiano. Não só por ter sido a primeira participação na prova, como pelo segundo lugar obtido, perdendo na finalíssima com o Zaire (2-0 depois de 2-2 no primeiro jogo).
Apesar da derrota, atingir a final foi um motivo de orgulho para Kaunda. Foi esse orgulho que o fez oferecer a toda a seleção a viagem até à Alemanha para assistir ao Mundial-1974. Tinham todas as despesas pagas e puderam sentir na pele – mais do que qualquer outra seleção da Zâmbia até ao momento – o que era estar no grande palco.
Torcendo pelo Zaire, chegaram a fazer jogos particulares em solo alemão. Quem via, não queria acreditar. E diziam a Makwasa que os zambianos é que deviam estar no lugar dos zairenses, que se despediram do evento com derrotas frente à Escócia (0-2), Jugoslávia (0-9) e Brasil (0-3).
A piada da Rainha de Inglaterra
A Zâmbia tornou-se independente do Reino Unido em 1964 e em 1983 Kenneth Kaunda foi recebido pela primeira vez pela Rainha de Inglaterra.
A visita era diplomática mas Kaunda não enjeitou a possibilidade para assistir à final da Taça da Liga, entre Liverpool e Manchester United. Durante o discurso de boas-vindas, Isabel II teve uma tirada curiosa.
«Sei que vai aproveitar para ver a final entre esses dois gigantes do Noroeste. Tenho muita pena que o Tottenham, que pelo que sei é a sua equipa favorita, não tenha conseguido atingir a final.» Kaunda não evitou as gargalhadas.
Em casa, o presidente também organizava jogos regulares entre o Governo e o corpo diplomático. Kaunda não jogava mas fazia de árbitro. E era justo, dizem os relatos. «Mas ninguém podia discutir com ele. Assim que tomava uma decisão, era preciso segui-la. Normalmente, a equipa do governo ganhava sempre», contou um antigo ministro à uma reportagem da BBC.
«Havia a dúvida se todos os triunfos eram genuínos ou se o corpo diplomático se deixava vencer para agradar», acrescentou.
A tristeza de 1993
Há dez anos, durante uma entrevista à BBC Sport, Kenneth Kaunda voltou a abordar alguns destes temas e explicou por que já não era uma presença assídua nos jogos da Zâmbia. «Claro que ficaria feliz por poder assistir mas os meus compromissos raramente me permitem. Estou envolvido na prevenção contra a SIDA e a malária por toda a África e isso retira-me muito tempo», disse.
Nessa altura, traçou também o que a seleção precisava de fazer para se reerguer: reconstruir a formação por todo o país, colocando as crianças a jogar desde pequenas, e contratar um treinador estrangeiro, para não se perder a carruagem do resto do continente.
Cinco anos depois, com o francês Hervé Renard como selecionador, a Zâmbia venceu pela primeira vez a Taça das Nações Africanas.