Keizerball. A desconfiança é inimiga da estratégia
Escreveu o Luís Cristóvão no Twitter, pouco depois de o Sporting perder no terreno do Tondela: «Lá longe, no país dos resultadistas, ouve-se o indisfarçável som do afiar de facas. Enquanto isso, no país da posse, choram-se rios de lágrimas por uns últimos minutos de procura de solução pelo ar. Nem mais, voltamos a viver uma noite de corações partidos».
O comentário é pertinente e reflete na perfeição as duas ideias-chave que saíram de Tondela na noite de segunda-feira. Por um lado, os que têm feito a cama ao futebol atrativo de Keizer, clamando por dificuldades e incapacidade de ler o futebol português, ganharam espaço para exaltar que sempre tiveram razão e que um estrangeiro não pode chegar cá e limitar-se simplesmente a impor um estilo positivo, com uma ideia baseada na posse, dinâmica e procura constante pelo golo. Por outro, quem o tem defendido destes ataques não pode ter deixado de sentir alguma desilusão ao ver que equipa e treinador fugiram à identidade que têm tentado construir quando André Pinto entrou para o lugar de Nani e os leões começaram a bombear bolas para a área.
O que fazemos dentro de campo depende muito da nossa confiança. Não é surpresa para ninguém que as ações de alguém confiante têm uma percentagem de sucesso muito maior. Seja na receção, no passe, no remate ou mesmo na dinâmica coletiva e na tomada de decisão, é muito mais confortável arriscar quando a confiança é máxima.
Há três momentos-chave capazes de colocar a confiança em risco: uma série de maus resultados, a reação a um golo sofrido e uma posição de desvantagem com o jogo a aproximar-se do fim. Na era Keizer em Alvalade, a primeira não chegou a ser problema. Tiago Fernandes tinha feito um trabalho satisfatório e o calendário permitiu ao holandês entrar com facilidade, somando goleadas na Taça e na UEFA. A reação a golos sofridos também não foi um problema. Nos primeiros três jogos, o Sporting sofreu o empate após entrar em vantagem e em todos estes jogos acabou por garantir triunfos confortáveis.
Depois, mais tarde, com Aves (0-1) e Nacional (0-2) em Alvalade, a equipa conseguiu dar a volta a situações de desvantagem. Porquê? Porque já havia uma identidade de confiança na capacidade de marcar. O próprio treinador tinha vindo a referir que preferia ganhar 4-3 do que 1-0. Se o adversário marca um, nós marcamos dois. Se marca dois, nós marcamos três. É esta a filosofia que retira peso ao golo sofrido, em contrabalanço com o modelo resultadista da vitória por margem mínima sem sofrer golos, onde uma ligeira alteração ao plano torna tudo mais complicado.
Em Tondela, como já tinha acontecido em Guimarães, o Sporting passou pelo terceiro momento-chave: entrar nos últimos minutos a perder. Mas, ao contrário do que aconteceu no Minho, surgiu numa posição mais delicada. Primeiro, porque a desvantagem avolumou-se na reta final da partida; depois, porque o leque de opções nunca foi tão curto. Com Bas Dost e Jovane de fora, os leões jogaram com um ataque com Diaby, Nani e Raphinha e um banco de suplentes que tinha apenas uma opção que podia permitir revolucionar o ataque: Montero.
A estratégia de Keizer - e a forma de encarar o jogo - não mudou mas, perante a adversidade, a confiança desapareceu. A equipa deixou de acreditar que seria capaz de chegar ao golo confortavelmente, como tem acontecido em jogos anteriores, deixou de ter alternativas credíveis para tentar abanar o Tondela e perdeu a capacidade de chegar ao desequilíbrio através da filosofia que o holandês tem tentado impor.
E cedeu. Cederam os jogadores e cedeu o treinador, ao recuperar um truque que outro treinador vindo da Holanda para Portugal - Bobby Robson - tentou na década de 90: fazer entrar um central para a frente de ataque. Só mudou o Pinto: de João Manuel para André.
A desconfiança foi inimiga da estratégia. Ao deixar de acreditar que seria possível alcançar o objetivo sendo fiel aos princípios, a equipa cedeu à ideia irracional de que a melhor forma de marcar é levar a bola para a área da forma mais rápida possível. Fosse com André Pinto, ou mais tarde com Coates e Mathieu, o Sporting usou e abusou do jogo direto para a área, perdendo a capacidade de raciocínio e promoção do desequilíbrio, sobretudo numa fase que jogava em superioridade numérica.
O percalço tem consequências diretas no futuro da equipa. Ficar a oito pontos do FC Porto, uma semana antes de receber os dragões, deixa a equipa num fosso que poderá ser inultrapassável. Além disso, a desconfiança exibida, independentemente de haver atenuantes como a falta de opções (o que deve ser visto também como um alerta para a direção e para o ataque ao mercado de janeiro), abalou a identidade que vinha a ser construída.
Essa é mesmo a maior conclusão a tirar do jogo do Tondela. O mês e meio de Keizer ao leme do Sporting não foi suficiente para impor a identidade e o modelo de jogo que preconiza. Ou, também é uma hipótese, não deixa de ser igual a outros que, quando o obstáculo aparece, cede ao facilitismo e está disposto a trair a sua ideia.
Na próxima semana, com o FC Porto, estas ideias voltarão a estar em xeque. O que fará Keizer? Uma certeza é indesmentível: o legado do holandês só será verdadeiramente admirável quando, irracionalmente, os jogadores já procurem obedecer às ideias-chave do modelo de Keizer quando o cenário for desfavorável.