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É Desporto

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22 de Julho, 2021

Karma Karma. Quando um nome nunca vem só

Rui Pedro Silva

Karma Karma. Ou Karma só

O Butão está longe de ser uma potência olímpica. Falando apenas dos Jogos de Verão, estreou-se em 1984, com seis atletas, marca que não chegou a ser ultrapassada desde então. Hoje, 37 anos depois, a comitiva asiática vai apresentar-se em Tóquio com quatro atletas, o dobro do que registou entre Atlanta-1996 e Rio de Janeiro-2016 (dois atletas em cada uma dessas edições).

O Butão vai ter dois homens (Ngawang Namgyel no judo e Sangay Tenzin na natação) e duas mulheres (Lenchu Kunzang no tiro e Karma no tiro com arco), mas três das presenças foram conseguidas por convite ou quotas criadas para promover o desporto em todos os cantos do mundo. Só uma foi conseguida com qualificação: a de Karma. Ou, falando em olimpiquês, Karma Karma.

A duplicação do nome explica-se através de uma viagem ao passado, de cinco anos, até ao Rio de Janeiro. Na altura, a atleta surgiu nos Jogos Olímpicos com convite mas a inscrição foi um desafio. Mesmo que o lote para Tóquio não o pareça comprovar, existe uma tradição com alguma representatividade de butaneses terem apenas um nome.

Karma é mesmo só Karma. É como as Anas e as Marias de Portugal que passam vidas inteiras a dizer que se chamam Ana só ou Maria só porque toda a gente espera um segundo nome próprio. No caso de Karma, não é uma questão de nome próprio ou nomes de família. É mesmo só um: Karma. E os Jogos Olímpicos não estavam, nem estão, preparados para lidar com isso.

Como todos os atletas estão obrigados a registar pelo menos dois nomes na inscrição, foi necessário criar uma solução para Karma. No caso, foi a solução da multiplicação: Karma tornou-se Karma Karma.

A participação no Rio de Janeiro não foi brilhante e perdeu na primeira ronda mas parece ter angariado… karma suficiente para os anos seguintes. Três anos depois, em 2019, numa competição asiática, conseguiu garantir uma vaga pela qualificação normal para o Butão no tiro com arco. Mas teve de esperar até 2021 para conseguir efetivamente registar a pontuação mínima necessária, ultrapassando outra atiradora butanesa e garantindo uma nova presença com base num critério subjetivo mas compreensivo de antiguidade/pioneirismo.

O tiro com arco é uma das modalidades nacionais do Butão, embora não necessariamente com arco recurvo. Mas foi precisamente esse o caminho que encontrou para concretizar um sonho que nasceu quando andava na escola. «Lembro-me de aprender um pouco sobre os Jogos Olímpicos durante uma aula do secundário no este do Butão. Comecei a praticar tiro com arco em 2009 e desde então o meu sonho sempre foi chegar aos Jogos Olímpicos», contou.

Como não podia ter tudo, a entrada no mundo do desporto tirou-lhe o mundo da educação. «Na escola, não tinha conseguido uma bolsa para uma universidade mas a minha irmã contou-me que havia uma vaga no programa olímpico do tiro com arco, por isso fui a uma entrevista e fui selecionada», lembrou.

Hoje, com 31 anos, Karma é a butanesa do tiro com arco mais famosa do seu país. Em Tóquio sonha com a medalha de ouro mas nem todos os sonhos estão à mão de semear. Nem com o crédito de todas as boas ações acumuladas durante uma vida inteira.