Jules Rimet. O homem que deu o nome à taça
Tinha um sonho e não descansou enquanto não o concretizou. Fundamental na criação do Mundial de futebol, continua a ser uma das maiores figuras na história da FIFA. Chegou a ser nomeado para o Nobel da Paz mas o júri não esqueceu a forma como ignorou as manifestações políticas na década de 30.
Luta pela igualdade
Jules Rimet nasceu em França no século XIX. Oriundo de uma família modesta, filho de um merceeiro, mudou-se para Paris com onze anos e conseguiu abrir caminho para estudar Direito. Era alguém que lutava para ter as oportunidades que desejava e sonhava com um mundo à sua imagem: sem barreiras nem obstáculos que impedissem a igualdade entre classes.
A personalidade vincada começou a ser demonstrada logo no início da vida adulta. Foi um dos fundadores do Red Star, equipa que garantia o acesso ao desporto a pessoas de todas as origens, e assumiu uma importância cada vez mais decisiva no crescimento da FIFA, fundada em 1904.
O turbilhão social na Europa impediu o progresso que tinha pensado. Combateu na Grande Guerra pelo exército francês, sobreviveu e foi condecorado com a Cruz de Guerra. Com o país e o continente em recuperação, Jules Rimet começou finalmente a dar os passos necessários para mudar a história do futebol.
Em 1919, assumiu a presidência da Federação Francesa de Futebol e, apenas dois anos depois, fez o mesmo na FIFA. O objetivo nunca tinha sido escondido: organizar um torneio de futebol internacional, mostrando a capacidade da organização em conceber uma prova independente, longe da esfera olímpica.
Do esboço à concretização do sonho
O esboço de uma fase final começou a ser desenhado em 1926 mas só em 1928 houve finalmente uma votação que validou a organização de um Mundial de quatro em quatro anos. Das 30 associações, apenas cinco votaram contra: Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Estónia.
A locomotiva estava em andamento e não havia forma de retroceder. Um ano depois, no Congresso de Barcelona, o Uruguai foi escolhido para organizar a competição. O país era bicampeão olímpico e o estado do futebol na América do Sul era mais evoluído, mas o fator decisivo foi outro: o Uruguai oferecera-se para pagar a viagem às seleções europeias, bem como um prémio adicional de 75 dólares por pessoa.
A iniciativa não foi bem vista por muitos países europeus – a deslocação por barco era demorada e faria com que os clubes europeus ficassem sem os seus valores durante três meses – mas o Mundial ia mesmo seguir em frente, apesar de contar com apenas quatro seleções europeias (França, Bélgica, Jugoslávia e Roménia).
O primeiro campeão e a instabilidade política
O anfitrião fez as honras da casa da melhor forma e não vacilou na altura de mostrar por que era visto como uma das maiores potências mundiais. Na final, bateu a Argentina por 4-2 e assinalou da melhor forma o centenário do país.
Os anos que se seguiram proporcionaram o crescimento da competição mas, ao mesmo tempo, trouxeram desafios a Rimet que viriam a ser decisivos no seu reconhecimento futuro. Tanto em 1934 na Itália como em 1938 em França, o fascismo aproveitou o evento para se afirmar, quer pelos transalpinos de Mussolini quer pelos nazis de Hitler.
A II Guerra Mundial provocou uma interrupção na organização dos Mundiais mas Rimet não esmoreceu no seu sonho de tornar a competição cada vez mais global. Com a guerra resolvida, houve novo congresso para assinalar o regresso das fases finais e, uma vez mais, Rimet optou por dar vapor a uma solução inteligente: organizar o Mundial no Brasil em 1950, longe da reconstrução europeia. Também por essa altura o troféu passou a ter o seu nome, em reconhecimento de todos os seus esforços.
A capacidade aglutinadora de Rimet conheceu um decisivo passo nessa edição. Pela primeira vez, os ingleses, tão habituados a apregoar a supremacia no futebol, aceitaram participar, mesmo que acabassem humilhados pelos Estados Unidos (0-1), numa derrota tão inesperada que levou os ingleses a pensar que a notícia tinha uma gralha no resultado.
A frustração do Nobel da Paz
Em 1956, dois anos depois de ter abandonado o cargo de presidente da FIFA ao fim de 33 anos, Jules Rimet tinha 82 anos e foi nomeado pelo ministro das Finanças de França, Roberto Buron, para o Prémio Nobel da Paz.
O argumento fazia sentido: afinal, as fases finais da prova tinham ajudado a unir países ao longo dos anos. Por outro lado, e com sentido, o júri norueguês relembrou a alegada indiferença com que Rimet lidou perante as afirmações fascistas durante os Mundiais da década de 30.
A nomeação foi rejeitada e o prémio acabou por não ser atribuído nesse ano. «O meu avô era um humanista e um idealista, acreditava que o desporto podia unir o mundo», disse o neto Yves em entrevista ao Independent.
«Ao contrário de muitos no seu tempo, percebeu que, para ser verdadeiramente democrático e apelar às massas, o desporto internacional tinha de ser profissional», acrescentou.
Jules Rimet morreu a 16 de outubro de 1956, dois dias depois de celebrar o 83.º aniversário. Sem Nobel da Paz, com o nome atribuído ao troféu (até ao terceiro título do Brasil em 1970) e sendo um eterno sinónimo do crescimento da competição.