Jovane Guissone. Conseguir na esgrima o que uma bala lhe tirou
Gaúcho tinha 21 anos quando foi atingido por uma bala destinada a um amigo durante um assalto. Paralisado da cintura para baixo, dedicou-se à esgrima em cadeira de rodas e conquistou medalha inédita em Londres. No Rio quer repetir.
O dia em que as pernas pararam
Sexta-feira, 19 de novembro de 2004. Jovane Guissone, com 21 anos, está numa loja juntamente com um amigo quando se dá um assalto. Para o tentar defender, que de acordo com o relatório da polícia era o alvo da tentativa de homicídio, levantou-se e foi atingido por um tiro.
A bala perfurou-lhe um pulmão, o baço e atingiu-lhe a coluna, deixando-o paralisado da cintura para baixo. A partir daí, a sua vida nunca mais seria a mesma.
O ano seguinte foi passado em depressão. Guissone não se conformava com o que tinha acontecido, que a liberdade de movimentos lhe tinha escapado por entre os dados num abrir e fechar de olhos. Por outro lado, foi por esse momento que chegou onde está hoje: «O tirou trouxe-me uma outra vida. É incrível, é uma vida mais movimentada.»
Amor e desporto
O período de recuperação e fisioterapia ficou marcado pelo encontro com Queli, uma massagista por quem se apaixonou. Hoje são casados e já têm um filho de cinco anos, Júnior, para além da Amanda, 15 anos, fruto de outra relação de Queli.
O brasileiro do Rio Grande do Sul começou a praticar desporto assim que pôde. Depois de uma primeira incursão no basquetebol em cadeira de rodas, um amigo esgrimista, Fábio Damasceno, convenceu-o a mudar de ares a partir de 2008.
O desporto não tinha grande presença entre paralímpicos e no ano seguinte já defendia a seleção brasileira. Em 2012, quando foi campeão em Londres, havia apenas 50 atletas espalhados pelo país. Hoje já são o dobro e têm muito mais apoios.
Ir treinar todos os dias era o mais complicado. Jovane estava obrigado a sair de casa a tempo de apanhar o autocarro das sete e meia da manhã porque era o único adaptado para pessoas em cadeiras de rodas. Depois, chegado ao complexo, tinha de subir uma rampa íngreme numa calçada cheia de buracos.
«Era uma grande provação. Muitos desistiram do desporto por causa disso», explica.
Mudar mentalidades
A medalha de ouro em Londres foi a primeira na história do Brasil na esgrima para atletas em cadeira de rodas. É por isso que, naturalmente, aponta esse momento desportivo como o melhor da sua vida. Já a maior conquista é outra.
«É o meu filho. Desde que nasceu, comecei a ver o mundo de uma forma diferente», garante.
Jovane Guissone espera que os outros também possam olhar para os Paralímpicos de um modo diferente: «Muita gente ainda vê o deficiente como inválido, o que não condiz com os deficientes que vão atrás dos objetivos. Vejo muitas mentes fechadas que não assistem aos Paralímpicos e que não nos veem como atletas, como campeões.»
«Essa visão tem de mudar. Gostaria que todos os brasileiros torcessem e vibrassem juntos por cada atleta olímpico, principalmente porque os Jogos são no nosso país», lembra.
RPS