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É Desporto

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20 de Março, 2018

John Surtees. Se tinha rodas era para ganhar

Rui Pedro Silva

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Foi tetracampeão de motociclismo em 500cc antes de dar o salto para a Fórmula 1. Em 1964, no quinto ano de competição, conduziu um Ferrari até ao título mundial, batendo Graham Hill por um ponto numa corrida que foi um carrossel de emoções do início ao fim. Polivalência de Surtees continua a ser recorde e dificilmente aparecerá alguém capaz de o imitar.  

 

O Filho do Vento

 

A alcunha de John Surtees encaixa-se na perfeição num piloto que mostrou sempre mostrar uma simbiose perfeita com a natureza e com as pistas. Fosse em cima de duas ou de quatro rodas, o britânico nascido em 1934 seguia sempre o seu instinto, como se lhe fosse segredado ao ouvido o que fazer antes de cada curva ou que trajetória seguir em cada reta.

 

A paixão pelos desportos motorizados foi-lhe passada pelo pai, que tinha uma loja de motos, e a entrada no panorama mundial das corridas aconteceu em 1952. A partir dai, a evolução foi meteórica. Com participações ocasionais em provas de 125cc, 250cc, 350cc e 500cc, Surtees deu um derradeiro passo rumo ao estrelato com a passagem para a MV Agusta, em 1956.

 

O vento soprou a seu favor. Além de ter uma moto mais competitiva, beneficiou também da suspensão por seis meses de Geoff Duke, o tricampeão mundial de 500 centímetros cúbicos, devido à greve que promoveu para tentar garantir mais direitos e melhores prémios de participação aos pilotos.

 

Surtees aproveitou da melhor forma. Venceu as três primeiras provas, somou 24 pontos e não precisou de mais para conquistar o primeiro título mundial da carreira. Duke ainda chegou a tempo de fazer as últimas quatro – de seis – corridas da temporada, mas desistiu em três.

 

Depois de um ano pouco feliz, em 1957, Surtees partiu para uma era brilhante no motociclismo. Entre 1958 e 1960, venceu 18 de 20 corridas e foi tricampeão mundial de 500cc. Pelo meio, venceu 14 de 18 corridas de 350cc e amealhou mais três títulos.

 

Transição para a Fórmula 1

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Tinha 26 anos quando, em 1960, decidiu mudar das duas para as quatro rodas. Foi um momento complicado, sobretudo porque chegou mesmo a conciliar os dois calendários durante uma temporada.

 

A Lotus deu-lhe a oportunidade de entrada na Fórmula 1 e a estreia não podia ser num circuito mais emblemático, no Mónaco. Surtees tinha acabado de vencer o Grande Prémio de França de 500cc, no fim-de-semana anterior, mas em Monte Carlo o resultado foi para esquecer, com uma desistência forçada por um problema na transmissão.

 

À segunda tentativa, a correr em casa (Silverstone), Surtees mostrou que tinha potencial para fazer na Fórmula 1 o mesmo que vinha a demonstrar em duas rodas e terminou a corrida no segundo lugar, apenas atrás do australiano Jack Brabham.

 

Depois, no Porto, no Circuito da Boavista, Surtees voltou a desistir, agora por um problema no radiador, mas teve a oportunidade de juntar mais um feito especial na carreira: a primeira pole position.

 

«A minha experiência nas motos foi útil na medida em que sabia como as pistas eram, mas muita da técnica era diferente. Se numa moto fazia algo de forma inconsciente, num carro tinha de parar para pensar como fazer. No primeiro ano não sabia mesmo o que estava a fazer. Podia ir tão rápido como os outros, mas não ia em segurança. Estava numa curva de aprendizagem», recordou 50 anos mais tarde.

 

A especialização e a Ferrari

 

A partir de 1961, as duas rodas tornaram-se uma experiência do passado. Surtees estava obcecado com a Fórmula 1 e queria mostrar ao mundo que conseguia fazer tão bem ou melhor do que fizera em duas rodas. Era um novo desafio, um novo mundo, uma nova janela de oportunidades que o britânico queria agarrar e demonstrar o seu talento.

 

Depois de passar pela Cooper-1961 e pela Lola-1962 com um total de dois pódios, o futuro tornou-se muito mais promissor quando, ao segundo convite, aceitou a proposta da Ferrari, que lhe abriu as portas para a primeira vitória, em Nurburgring-1963.

 

Em 1964, Surtees abriu caminho para a história. Foi uma temporada demolidora e, ainda assim, cheia de emoção. Havia dez provas mas para a classificação final contavam apenas os seis melhores resultados. Surtees só terminou seis mas, sempre que o fez, subiu ao pódio, com triunfos em Nurburgring e Monza.

 

Grande Prémio memorável

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John Surtees chegou à última corrida da temporada com 34 pontos, a cinco de Graham Hill e com quatro de vantagem sobre Jim Clark. Os três britânicos tinham aspirações para conquistar o título mundial e durante a corrida todos estiveram em posição de o conseguir.

 

As contas pareciam tão complicadas como as de Portugal para conseguir apuramentos para fases finais na década de 90. Jim Clark tinha de vencer e esperar que Surtees não ficasse no top-2 e Hill não ficasse no top-4. Surtees precisava de vencer, ou ficar em segundo, desde que Hill não terminasse acima do quarto lugar. E Hill bastava-lhe vencer; ficar em terceiro desde que Surtees não vencesse; ou simplesmente que Clark não vencesse e que Surtees não ficasse nos dois primeiros lugares.

 

A qualificação deu a pole a Clark, com Surtees a sair da quarta posição e Hill do sexto lugar. O primeiro a ceder foi o próprio Surtees, com um problema mecânico no carro que o abrandou nas primeiras voltas e o fez cair para o 13.º lugar.

 

A luta pelo título parecia ficar reservada ao duelo entre Hill e Clark, não houvesse um interveniente extra: Lorenzo Bandini, colega de equipa de Surtees na Ferrari. O italiano abalroou o carro de Graham Hill e provocou um peão ao britânico, que perdeu várias posições e ficou dependente do que os rivais fariam.

 

Jim Clark tinha tudo a seu favor mas uma fuga de óleo quando liderava forçou a paragem nas boxes na última volta. Subitamente, o título estaria novamente a caminho de Hill, a não ser que Surtees conseguisse ultrapassar… Bandini e terminar no segundo lugar.

 

A estratégia da equipa fez a diferença. À entrada para a última volta, os mecânicos da Ferrari esbracejaram furiosamente para que Bandini abrandasse e se deixasse ser ultrapassado por Surtees.

 

O britânico somou seis em vez de quatro pontos e terminou a temporada com 40, apenas mais um do que Graham Hill. Ali, no Autódromo Hermanos Rodríguez, na Cidade do México, Surtees abriu caminho para a história e conseguiu um feito que nunca mais ninguém esteve sequer próximo de alcançar: juntar o título mundial de F1 ao da categoria mais importante de motociclismo.