Jochen Rindt. As inúmeras premonições do campeão póstumo
Nasceu na Alemanha mas competia com licença austríaca. Os pais morreram num bombardeamento na II Guerra Mundial e a vida com os avós impulsionou-o para a Fórmula 1. Durante anos queixou-se dos problemas de segurança, falando de possibilidades de morte e de funerais. Em 1970, quando liderava a corrida ao título mundial, morreu durante a qualificação do Grande Prémio de Itália. Faltavam quatro provas e acabou campeão.
Passar pela vida a acelerar
«Ninguém sabe quanto tempo vai viver. Por isto, é preciso fazer o máximo possível da maneira mais rápida que se conseguir.» Jochen Rindt passou pela vida a acelerar, sem olhar para trás e sem medo do que poderia acontecer.
Nascido na Alemanha em 1942, gostava de citar Otto Van Bismarck: «Nós, alemães, tememos Deus e nada mais». E levava-o à letra, numa vida que conciliou a fortuna financeira com o infortúnio familiar.
Jochen Rindt tinha apenas 15 meses quando os pais morreram durante um bombardeamento das forças aliadas em Hamburgo, em julho de 1943. Praticamente não falava, não sabia sequer o que o rodeava e não teve tempo para consolidar memórias sobre os pais.
O futuro reservou-lhe o crescimento com os avós maternos, austríacos que viviam em Graz. O dinheiro nunca foi o problema, sobretudo ao herdar a propriedade da empresa dos pais.
A infância e a adolescência foram problemáticas. «Estava sempre em apuros na escola e uma vez quase atropelei um dos professores com a minha moto», recordou uma vez, justificando a transferência para um colégio privado em Inglaterra.
«Fui para aprender a falar a inglês. Também aprendi a conduzir mas demasiado novo para tirar a carta. Quando voltei para casa, parti a perna a fazer esqui [uma das várias vezes] e decidi que era mais do que capaz de conduzir sozinho, mesmo com a perna engessada», revelou.
Rindt estava constantemente em apuros e era sempre salvo pelo avô. «Conduzi sem carta durante 18 meses e fui apanhado um dia antes de ter a idade legal para tirar a licença», admitiu.
Comprar o caminho para a Fórmula 1
A carreira automobilística foi como uma passerela. Onde os outros, mais modestos, estavam obrigados a conduzir carros emprestados para mostrarem o que valia, Rindt tinha a capacidade de comprar os automóveis para brilhar.
E fazia-o sem dificuldades, aparecendo nas corridas como anónimo, chegando a ser confundindo com pilotos australianos, e saindo como grande promessa do circuito mundial. Era temerário, não olhava aos riscos e quando lhe perguntavam se não conduzia frequentemente fora dos limites, respondia de forma seca: «Mas alguma vez conduzi dentro dos limites?».
Com ele, era tudo ou nada. Não havia meio-termo. Os números absolutos na Fórmula 1, onde esteve de 1964 a 1970 também o provam: em 60 corridas, não conseguiu terminar em 35. Havia sempre problemas mecânicos, consequências dos riscos tomados e de abordagens perigosas para retirar o maior proveito de cada reta, curva ou volta dada aos circuitos.
Até 1968, Rindt alternou entre a Brabham e a Cooper, não conseguindo mais cinco pódios. Quando a Lotus lhe bateu à porta, a possibilidade de ter uma palavra a dizer a partir de 1969 falou mais alto. Sim, a escuderia britânica era conhecida por arriscar ao máximo na construção dos monolugares mas a ideia de lutar por vitórias foi mais forte.
As fatais premonições
É possível encontrar no discurso de Jochen Rindt ao longo dos anos várias referências aos perigos do desporto automóvel. Depois da morte de Jim Clark, um grande apologista da segurança, em 1968, o piloto reagiu com um «Se nem ele estava seguro, o que será de nós?».
As 500 milhas de Indianápolis também geravam grande apreensão ao piloto. «Cada vez que lá vou, sinto que estou a caminho do meu próprio funeral», confessou, garantindo que só o fazia pelo dinheiro que recebia.
Apesar de tudo, o chamamento do dinheiro não era o mais importante. «Planeio continuar a competir enquanto tiver prazer, mas não me quero sentir muito dependente disso. Muitos pilotos ficam demasiado tempo só por causa do dinheiro e normalmente acabam mortos. Quero poder sair quando for suficiente», disse uma vez.
A experiência na Lotus foi sempre muito conflituosa. Rindt criticou frequentemente Colin Chapman, o diretor da equipa, mas conseguiu encontrar um meio-termo de compromisso que lhe permitiu continuar a competir.
Em 1969, apesar de um acidente grave em Montjuic logo na segunda etapa do calendário, conseguiu recuperar a confiança e alcançar o primeiro triunfo da carreira, nos Estados Unidos. Apesar de tudo, a batalha pelo título nunca esteve em equação, uma vez que terminou apenas quatro das dez corridas em que participou.
O agridoce caminho para o título
A segunda temporada marcou os momentos mais altos na carreira e vida de Jochen Rindt. Depois de um arranque titubeante com o Lotus 49C, com uma vitória em Monte Carlo, um 13.º lugar na África do Sul e uma desistência na Bélgica, o piloto partiu para uma série gloriosa com o novo Lotus 72 C.
Começou por resistir à alteração mas deixou-se convencer pela velocidade extra que o monolugar concebido por Chapman e companhia lhe dava. Em pista, não havia concorrência possível: venceu na Holanda, em França, na Grã-Bretanha e na Alemanha.
Os triunfos não significaram a ausência de acidentes. Em França, durante a qualificação, teve um que provocou uma discussão acesa com os mecânicos e engenheiros. «Se voltar a acontecer, e eu sobreviver, chego aqui e mato-vos a todos», terá dito, de acordo com um documentário feito sobre a sua vida.
Não sobreviveu. Em Monza, já depois da desistência na Áustria por causa do motor, seguia a toda a velocidade num carro sem as asas traseiras – decisão tomada em conjunto com Chapman para aumentar a eficácia nas retas num circuito conhecido pela sua rapidez – quando perdeu o controlo à entrada da Parabolica.
Ironia da segurança
Jochen Rindt conduzia sem medo e não se preocupava em ultrapassar os limites mas a possibilidade de não escapar a um carro em chamas produzia um efeito especial na sua abordagem à segurança.
Foi por isso que decidiu abdicar da parte do cinto junto à cintura e virilhas, garantindo que conseguiria sair mais rápido do carro em caso de urgência. Foi por isso que, em última instância, morreu depois da colisão frontal em Monza. O impacto projetou o corpo para a frente, para baixo do cockpit, e a garganta de Rindt foi cortada violentamente pelo parte do cinto que levava ao peito.
A morte foi declarada na ambulância a caminho do hospital e a decisão do título ficou em aberto. À altura do acidente, Rindt estava no primeiro lugar com 45 pontos, mais 20 do que Jack Brabham, mais 25 do que Danny Hulme e mais 26 do que Jacky Ickx e Jackie Stewart.
Faltavam quatro corridas e só uma parte final dominadora de um deles poderia desviar o título póstumo de Rindt. Não aconteceu. O belga Ickx venceu duas das quatro provas mas não fez melhor do que terminar a cinco pontos do primeiro lugar.
A morte de pilotos era muito frequente na Fórmula 1 nesta altura mas, pela primeira vez, tinha acontecido ao futuro campeão.
«Talvez não chegue aos 40 anos», disse Rindt uma vez. «Mas até lá terei passado por mais experiências na vida do que todos os outros». Tinha 28 anos quando morreu.