Jim Brown. Um sinónimo dos Cleveland Browns
Decidir quem é o melhor de sempre, no que quer que seja, costuma ser o mote para longas tertúlias em que existem duas ou mais fações e onde, no final de contas, raras são as vezes em que as opiniões são alteradas.
Quem é Maradona não se torna Pelé. Quem diz cão, não termina a noite a miar. Quem circula sempre pela via central, não vai fazer o pisca por mais que seja avisado por quem o ultrapasse. Estão a perceber o esquema? Às vezes nem é preciso ter uma opinião fundamentada sobre algo: basta tê-la e defendê-la de forma apaixonada e convicta. E assim se passam horas, dias, semanas e anos.
Quando o tema de conversa é o melhor running back da história, as opiniões também divergem. Há clubismos, memórias nostálgicas ou opiniões enviesadas pelo curto prazo, mas há um nome que figura sempre no topo da montanha. Sim, jogadores com Walter Payton e Emmitt Smith merecem ser discutidos, quer seja por recordes ou por associações a equipas míticas, mas talvez nenhum outro tenha tanta relevância como Jim Brown.
O jogador que defendeu os Cleveland Browns entre 1957 e 1965 tem um rol de argumentos difíceis de combater. Um enorme contra, pelo menos tendo em conta o que fez dentro de campo, é o azar de ter surgido numa era pré-Super Bowl. De resto os números são assustadores.
Conquistou um título da NFL, em 1964, quando os Cleveland Browns derrotaram os Baltimore Colts (27-0), e nunca foi suficientemente tímido para ficar longe de grandes exibições individuais que resultaram, inevitavelmente, em montanhas estatísticas capazes de envergonhar qualquer outro.
Jim Brown disputou um total de 118 jogos como profissional. Durante este período, somou médias de 104,3 jardas de corrida por jogo e 5,2 jardas por corrida. Nenhum outro jogador na história da NFL conseguiu atingir os três dígitos.
Se a NFL é um jogo de «inches», como Al Pacino fez questão de imortalizar (no filme Any Given Sunday, que conta com a participação de Jim Brown a fazer um papel de coordenador defensivo), a estrela dos Cleveland Browns nunca deu nenhum por perdido.
Entre 1957 e 1965, Jim Brown fez 2359 corridas com a bola, somou 12312 jardas e 106 touchdowns. E, às vezes, até conseguia ser uma ameaça no jogo de passe, com um total de 262 receções e 2499 jardas durante a carreira.
Jim Brown tornou-se um mito praticamente desde o momento em que chegou à NFL com 21 anos. Com o número 32 nas costas, mostrou que os Browns tinham feito uma boa aposta ao escolher o jogador que tinha brilhado em Syracuse, no estado de Nova Iorque.
Original da Geórgia, filho de um pugilista, Jim Brown esteve longe de sofrer os mesmos abusos raciais que outros afro-americanos do sul dos Estados Unidos. Nascido em 1936, mudou-se para Nova Iorque com oito anos e mostrou desde o início ser uma estrela em potência em várias modalidades.
Jim Brown poderia ter escolhido o que quisesse, basebol, basquetebol, atletismo ou lacrosse, mas foi fiel à paixão pelo futebol americano. E não se pode dizer que tenha sido uma decisão errada. É certo que foi eleito para o Hall of Fame do lacrosse e que a modalidade até foi obrigada a mudar uma regra por causa dele, como a NCAA viria a fazer por culpa de Kareem Abdul-Jabbar, mas o futebol americano era verdadeiramente a sua praia.
Jim Brown tornou-se um modelo a imitar, sobretudo para as gerações que se seguiram em Syracuse. John Mackey recordou, umas décadas depois, um dos conselhos que Jim lhe deu: «Garante que quem te plaque não esqueça nunca quanto dói fazê-lo». Mas foi outro jogador universitário que saiu praticamente do mesmo molde de Jim Brown: Ernie Davis.
O Expresso de Elmira, como era conhecido, podia ter sido um segundo Jim Brown – os números apontavam para isso – e teria feito uma dupla letal em Cleveland, mas um problema de saúde evitou que os dois tivessem conseguido partilhar o campo a partir de 1962.
O título para os Browns chegou mesmo, dois anos depois, numa altura em que Jim Brown já estava a explorar uma nova carreira, no mundo do cinema. E foi durante as gravações do terceiro de 51 papéis que desempenhou que as aventuras com bola terminaram.
Os Cleveland Browns não estavam satisfeitos com a ausência durante a pré-época e multaram Jim Brown sem contemplações. O jogador, a cumprir o último ano de contrato, naquela que tinha sido já anunciada como a derradeira época da sua carreira, esticou a corda e decidiu dizer adeus logo naquele momento.
Tinha 30 anos e deixava para trás algo em que era ainda uma figura temível. Os Browns seguiram em frente e, à sua medida, também foram andando de filme em filme, sempre entre comédias e tragédias e… nenhum título.
Jim Brown tornou-se sinónimo de Cleveland Browns e a fase negativa na história da equipa ajudou a imortalizar ainda mais o período do jogador no Ohio. Em contraponto, os Cleveland Browns também se tornaram o momento mais marcante na vida de Jim Brown. A carreira no cinema foi ofuscada pelo que tinha feito enquanto jogador e limitou-se quase sempre a papéis de pouco fulgor e com direito a participações como convidado em séries como O Justiceiro/A Super Máquina [Knight Rider] ou Soldados da Fortuna/Esquadrão Classe-A [The A-Team].
Os filmes mais polémicos de Jim Brown acabaram por ocorrer nos tribunais, com constantes acusações de agressão, violação e desobediência, que chegaram mesmo a ditar tempo passado na prisão.
O homem chegou a estar limitado ao seu próprio cubículo mas a lenda não tem fronteiras.