Jessica Fox. Inspiração familiar rumo à história
Não é fácil encontrar o caminho certo quando a pressão de cima é grande. Por mais que se queira trilhar um rumo próprio, seja no desporto ou noutra área qualquer, é difícil fugir muito das comparações quando há verdadeiras lendas desportivas na família. Se com um já é complicado, com dois torna-se uma tarefa hercúlea. Mas Jessica Fox conseguiu e fez história à sua maneira.
Jessica Fox conquistou duas medalhas para a Austrália em Tóquio e tornou-se a primeira atleta da história a subir ao pódio nas provas de canoa e caiaque da canoagem slalom. Sim, é verdade que foi a primeira vez que a vertente de canoa teve espaço no calendário olímpico feminino mas também não houve nenhum homem a alcançá-lo no passado.
Competir pelo país dos cangurus pode ter sido o primeiro salto que Jessica Fox deu para se distanciar dos pais. Depois de nascer em Marselha em 1994, viajou com a família para os antípodas com apenas quatro anos depois de o pai ter sido convidado para treinar a seleção de canoagem slalom.
Sim, o pai era uma figura da modalidade. Richard Fox, britânico, esteve nos Jogos Olímpicos de Barcelona sem grande resultado de relevo, mas acabou a carreira com cinco títulos mundiais. A mãe, Myriam, Francesa, venceu a medalha de bronze em K1 na canoagem slalom em Atlanta-1996.
Está visto onde é que isto ia dar, certo? Nem por isso. Jessica Fox não queria seguir o mesmo caminho dos pais e preferiu a ginástica. Só quando partiu um braço, por causa das acrobacias, é que deu uma real oportunidade à modalidade… e apenas porque foi aconselhada pelo fisioterapeuta para complementar a reabilitação. O resto, sim, é história.
«Ter pais que foram ambos atletas olímpicos e conhecendo alguns atletas que estiveram nos Jogos em Sidney, Atenas e Pequim foi muito inspirador. Ficava colada à televisão e a sonhar com a hipótese de um dia ser eu. Quando comecei a pagaiar, em 2005, foi apenas como parte da minha reabilitação, mas evoluí muito rapidamente e quis ver até onde conseguiria chegar na modalidade», recordou.
Spoiler: chegou à medalha de ouro. A única campeã olímpica da família. E ainda lhe juntou uma medalha de bronze, exatamente o mesmo que a minha mãe tinha feito nos Estados Unidos, em 1996. Mas isto foi só em Tóquio. Antes, já tinha alcançado mais duas medalhas: um bronze no Rio de Janeiro e uma prata em Londres, com direito a uma vingança muito especial.
Quando a mãe foi medalha de bronze em Atlanta, perdeu o título para uma checa chamada Stepanka Hilgertova. Na altura, Myriam tinha 34 anos e Stepanka 28. A checa revalidou o título mundial em Sidney e ainda competiu em Londres-2012, precisamente na edição de estreia de Jessica.
Aí, a vingança serviu-se fria. A australiana foi segunda e atirou Hilgertova para fora do pódio (4.º lugar). Poderia ter sido a despedida perfeita para a veterana de 44 anos mas havia uma desforra familiar com 16 anos para se cumprir.
«Ela [Myriam] tem sido um grande exemplo para mim, mas também para muitas mulheres e treinadoras. Não há muitas treinadoras nesta modalidade e ela foi uma das primeiras. Nos anos 90 não era tão comum ser atleta de alta competição, ser mãe e regressar ao nível mais alto para conquistar uma medalha. O que ela fez inspirou muita gente, eu incluída», confessou Jessica.
A inspiração fez a diferença em Tóquio e contribuiu para que escrevesse um capítulo histórica na modalidade. «A medalha de ouro é o grande sonho para o Japão. Se tiver a oportunidade para competir nas duas categorias, será incrível», disse em 2018. E foi mesmo incrível: com o título olímpico na canoa e um bronze no caiaque. Nunca houve ninguém como ela: Jessica, a raposa dos rápidos.