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É Desporto

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05 de Junho, 2018

Irão. O batismo das vitórias contra o maior rival político

Rui Pedro Silva

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A FIFA temia as implicações que o jogo de 21 de junho de 1998 em Lyon pudesse ter mas o balanço foi tão positivo que as duas seleções até decidiram fazer um encontro particular nos Estados Unidos um ano e meio depois. O triunfo do Irão, o primeiro em fases finais, não podia ter sido mais emblemático. 

 

Uma questão de escalas

 

Quando Estados Unidos e Irão entraram em campo no Stade de Gerland, em Lyon, a 21 de junho de 1998, foi o derradeiro passo de um percurso que tinha dado muitas dores de cabeça aos organizadores e muitos motivos de celebração aos jogadores.

 

Para o Irão, a cumprir a sua segunda participação numa fase final (primeira foi em 1978, na Argentina, com um empate e duas derrota), era o patamar mais alto que poderia ambicionar. Ali, no sul de França, perante pouco mais de 39 mil espetadores não havia mais nada a fazer. Apenas desfrutar.

 

Estar num Mundial podia trazer pressão adicional mas o estádio cheio era um acessório praticamente irrelevante. É uma questão de escalas: estava cheio mas não tinha sequer 40 mil pessoas. Meses antes, no play-off de apuramento com a Austrália, a pressão foi maior do que nunca.

 

Na primeira mão, em Teerão, 128 mil pessoas assistiram a um empate a um golo, num jogo arbitrado pelo italiano Pierluigi Pairetto, e no qual os iranianos estiveram a perder. Uma semana depois, a 29 de novembro de 1997, foi a vez de o Melbourne Cricket Ground se encher com 98 mil pessoas para definir a derradeira vaga do Mundial.

 

Mais uma vez, os australianos entraram fortes e chegaram à vantagem, com golos de Kewell e Vidmar. Mas o Irão tinha uma história para escrever e, com dois golos num espaço de quatro minutos, aos 75’ e 79’, empatou o encontro, adiantou-se na eliminatória fruto dos golos como visitante e festejou o apuramento.

 

Um país unido e sem barreiras

 

Mehrdad Masoudi nasceu no Irão e foi um dos responsáveis da FIFA no jogo de Lyon. Ele recorda como ninguém como foi a festa do apuramento em novembro. «As pessoas dançaram nas ruas de Teerão, beberam álcool livremente e as mulheres destaparam as cabeças. A Guarda Revolucionária não fez nada porque também estava muito feliz. Antes de serem guardas, eram adeptos de futebol».

 

A paixão dos iranianos pelo futebol era indesmentível. Mas o sorteio da competição trouxe um problema. No evento supostamente manipulado pela organização, de acordo com Michel Platini, para não haver um confronto entre França e Brasil antes da final, Estados Unidos e Irão calharam no mesmo grupo.

 

Alemanha e Jugoslávia assumiam-se como favoritas ao apuramento para os oitavos de final mas isso não impedia a realização de um jogo entre os dois grandes rivais políticos. E, sobretudo, na segunda jornada, numa altura em que tudo estaria em aberto. Os pesadelos da organização estavam apenas a começar.

 

Muita tensão mas tudo a correr bem

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O sorteio ditou que o Irão seria a Equipa B do encontro. De acordo com o protocolo, é esta a equipa que tem de caminhar na direção do adversário nos cumprimentos antes do apito inicial. Este foi apenas um dos problemas que a organização teve de contornar, uma vez que o Supremo Líder do Irão, Sayyid Ali Khameinei, deu ordens expressas para que isso não acontecesse.

 

Depois de algumas negociações, os norte-americanos aceitaram serem eles a cumprir essa parte do protocolo. Afinal, parecia não ser mais do que uma teimosia e havia demasiado em jogo. Para a FIFA, nada podia correr mal. A carga simbólica daquele jogo era enorme, numa altura em que os hooligans ingleses já tinham sido notícia pelas piores razões, e a preparação foi rigorosa.

 

O duelo foi visto como uma oportunidade. A FIFA declarou 21 de junho como o dia do fair-play e os jogadores das duas equipas posaram para uma fotografia conjunta antes do jogo. O presidente da federação iraniana de futebol foi ainda mais longe e ordenou a compra de ramos de flores para que cada um dos titulares pudesse oferecer a um adversário americano.

 

No meio de tanto simbolismo, até a escolha do árbitro pareceu ser adequada: um suíço, Urs Meier.

 

Só houve espaço para a festa

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Os avisos para os EUA-Irão foram muitos. O anúncio de que uma organização terrorista tinha comprados sete mil bilhetes e estava preparada para fazer um protesto deixou a FIFA apreensiva, e com instruções claras de cautela para a realização televisiva, mas não houve qualquer problema.

 

Dentro de campo, a festa foi iraniana. Estili marcou na primeira parte e nos minutos finais Mahdavikia aumentou a vantagem, de nada valendo o golo de honra de McBride. «Não conseguia acreditar quando o jogo tinha acabado, estava toda a gente a chorar. Tínhamos acabado de derrotar os Estados Unidos», disse o homem que inaugurou o marcador e abriu caminho para o primeiro triunfo iraniano num Mundial.

 

«Fizemos mais em noventa minutos do que os políticos em vinte anos», disse Jeff Agoos no final do encontro. Os americanos não tiveram motivos para festejar mas do outro lado do mundo, o Irão estava novamente num estado de euforia.

 

«Muitos iranianos que vivem no estrangeiro começaram a dizer com orgulho que eram iranianos. Aquela vitória uniu o país. O triunfo sobre os EUA recuperou as emoções e as celebrações que já tinham acontecido depois do play-off. O regime iraniano temeu um pouco esta situação», recordou Mehrdad Masoudi.