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É Desporto

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13 de Agosto, 2017

Inês Henriques. A nova campeã do mundo

Rui Pedro Silva

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O atletismo nacional volta a ouvir o hino num Mundial. A marchadora de Rio Maior foi a mais rápida nos inéditos 50 quilómetros marcha, bateu o recorde do mundo, e ofereceu a Portugal a segunda medalha na edição de Londres e o sexto título desde sempre. Já ninguém a tira da história. 

 

Rio Maior, finalmente Rio Maior

 

Rosa Mota é do Porto e venceu a maratona em Roma-1987. Manuela Machado é de Viana do Castelo e venceu a maratona em Gotemburgo-1995. Fernanda Ribeiro é de Penafiel e venceu os 10 mil metros em Gotemburgo-1995. Carla Sacramento é de Paivas (Amora) e venceu os 1500 metros em Atenas-1997. E, finalmente, Nelson Évora é de Odivelas (nasceu em Abidjan, na Costa do Marfim, mas mudou-se para Portugal aos cinco anos) e venceu o triplo salto em Osaka-2007.

 

Londres-2017 veio pôr finalmente Rio Maior no mapa. A ligação da marcha à cidade do distrito de Santarém não é de agora. Afinal, Susana Feitor é uma das atletas portuguesas mais conceituadas, apesar de nunca ter conseguido chegar a um título mundial ou olímpico. Mas foi deixando um legado que serviu de exemplo para quem se seguiu.

 

Inês Henriques tem 37 anos, nasceu em 1980. Com onze anos, já podia ver Susana Feitor competir em Tóquio-1991 e, no ano seguinte, decidiu seguir o exemplo. «Entrei para o atletismo em 1992, a Susana já tinha sido campeã do mundo [júnior nos cinco quilómetros marcha em Plovdiv-1990] e o Jorge Miguel [treinador] já estava, de certa forma, a criar o grupo de marcha. Eu identifiquei-me logo e obtive bons resultados como infantil. Gostei da marcha e por lá fiquei», disse em entrevista à Tribuna Expresso.

 

Marchar em Rio Maior é como ir dar toques numa bola para Copacabana ou surfar para o Havai. Se não o fazes, algo está errado. «Para nós é algo natural. Todos os miúdos do Clube de Natação de Rio Maior fazem de tudo, e também fazem marcha. Rio Maior é o sítio onde, sem dúvida, nasce a marcha em Portugal».

 

Em 1992, não havia telemóveis nem grandes aventuras com computadores. Inês Henriques via no desporto a melhor forma de passar o tempo e, apesar de ter tentado o basquetebol, nunca teve tanto jeito. Mais não seja por estar a caminho de uma pouca imponente figura de 1,58 metros. A escolha foi o atletismo e nunca se arrependeu.

 

Quando o exemplo se tornou colega

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Inês Henriques estreou-se em Mundiais em Edmonton-2001, marchando ao lado de Susana Feitor pela primeira vez numa grande competição. Tinha 21 anos e acabou desqualificada nos 20 quilómetros marcha. Depois, participou nos Jogos Olímpicos de Atenas (25.ª) e assistiu de perto à única medalha, até hoje, que Portugal tinha conquistado na marcha numa grande prova.

 

Em 2005, no Mundial de Helsínquia, Susana Feitor conquistou a medalha de bronze nos 20 quilómetros marcha, prova em que Inês Henriques foi 27.ª Os resultados começaram a melhorar e foi sétima em Osaka-2007, décima em Berlim-2009, nona em Daegu-2011, 11.ª em Moscovo-2013 e 25.ª em Pequim-2015.

 

Em Londres, onde agora conseguiu o melhor momento da carreira, tinha sido 14.ª nos Jogos Olímpicos, em 2012. Mas todos estes resultados foram nos 20 quilómetros marcha. Agora, Inês Henriques aumentou a fasquia, aceitou o desafio da IAAF e viu a recompensa chegar. Para ela, o dia 13 de agosto de 2017 nunca mais será esquecido.

 

Uma prova que começou muitos meses antes

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Eram 7h46 quando Inês Henriques foi apresentada para a inédita prova dos 50 quilómetros marcha nos Mundiais de Londres. A recordista do mundo era uma entre sete mulheres que fizeram a diferença nos últimos meses e pressionaram a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) a abrir a distância na vertente feminina.

 

Eram sete, apenas sete. Inês Henriques de Portugal, Nair da Rosa do Brasil, Shuqing Yang e Hang Yin da China e Kathleen Burnett, Erin Talcott e Susan Randall dos Estados Unidos. Mas podia não ter sido nenhuma.

 

Em junho, ainda não havia qualquer posição oficial da IAAF. «Já me disseram muita coisa, deram-me a entender que não podia ir e que seria muito difícil a federação internacional aceitar o meu pedido de wild card. Mas até receber uma nota oficial continuo a treinar como se fosse fazer os 50 quilómetros marcha no Mundial.»

 

A situação era insólita. A IAAF acrescentou a distância ao calendário feminino mas colocou os mínimos necessários nas quatro horas e seis minutos, precisamente a mesma exigência estipulada para os homens. Nem mesmo a portuguesa de Rio Maior, que detém o recorde do mundo desde janeiro deste ano, entrava no espetro, com quatro horas, oito minutos e 26 segundos.

 

Inês Henriques nunca desistiu. Pressionou a IAAF até ao limite e continuou a treinar, apostando tudo em como a federação ia ceder e aumentar o tempo necessário. A resposta positiva chegou já perto do final de julho. «Depois de muitas lutas conseguimos que a Federação Internacional reconhecesse que estava errada ao obrigar as mulheres a fazer mínimos iguais aos homens. Corrigiram e todas as atletas que tiverem marca até quatro horas e meia estão no campeonato do mundo, com uma prova só para nós, com direito a tudo como todas as outras provas.»

 

As melhores marcas do ano, e como consequência as melhores marcas das atletas, davam uma vantagem clara à portuguesa. A segunda melhor, a chinesa Hang Yin, tinha um registo mais lento em 13 minutos e 58 segundos. E, na verdade, Nair da Rosa e Susan Randall marcharam com melhores marcas acima das quatro horas e meia.

 

«Basta» acabar

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Quando a prova começou, não foi preciso demorar muito tempo até perceber que uma medalha para Inês Henriques estaria dependente da capacidade da portuguesa de terminar a prova. Desde o início, a atleta de 37 anos partilhou a liderança com Hang Yin, aumentando a vantagem para as perseguidores a cada ponto de passagem com marcas.

 

Aos cinco quilómetros, a diferença era de 1'21''. Aos dez, já só havia seis atletas em prova - Erin Talcott fora desqualificada - e a margem de vantagem tinha crescido para 2'23''. Depois, aos quinze, apesar de a dupla estar quase a ser dobrada pelo líder da prova masculina, o luso-descendente Yohann Diniz, a diferença estava prestes a ultrapassar os quatro minutos.

 

A resistência de Hang Yin estava condenada ao fracasso. Inês Henriques imprimiu um ritmo típico de relógio suíço e começou a ganhar vantagem em cima do quilómetro 30. Cinco quilómetros depois, a vantagem era de 50 segundos e a atleta de Rio Maior começava a parafrasear o hino nacional: «Para o ouro mundial, marchar, marchar!»

 

A cada novo parcial, a vantagem ia aumentando e antes da passagem aos 40 quilómetros já tinha dobrado a terceira classificada. Salvo um qualquer imponderável, deixava de haver dúvida de que Inês Henriques ia a caminho de uma medalha e, muito provavelmente, o título mundial. A marchadora não desiludiu e aproveitou o facto de Hang Yin ter quebrado ainda mais, passando aos 45 quilómetros a mais de três minutos.

 

A marcha triunfal de Inês Henriques no último segmento foi mais lenta mas a expetativa não estava ameaçada. Inês Henriques ia mesmo ser campeã mundial. A primeira de sempre nos 50 quilómetros marcha. A portuguesa entrou na história e, como cereja no topo do bolo, juntou-lhe um novo recorde mundial: 4:05:56. 

RPS