Hidilyn Díaz. A primeira ninguém vai esquecer
Carlos Lopes conseguiu a primeira medalha de ouro olímpica para Portugal em 1984. Em Los Angeles, correu em direção ao estádio olímpico com o apoio em uníssono de um país que assistiu de madrugada, com ou sem olheiras, a um momento histórico que ainda hoje é recordado. Porque a primeira nunca ninguém esquece.
Baptista Bastos gostava de perguntar com insistência onde cada pessoa estava no 25 de Abril de 1974. No desporto, é possível que se possa fazer o mesmo com o 12 de agosto de 1984. Gente que passou a noite em clara, crianças que acordaram para ver os quilómetros finais, memórias de felicidade ao acordar, há de tudo. Foi a primeira. E não voltará a haver outra igual.
Os anos passaram e a cada nova edição há países que entram para o lote dos que podem dizer, com orgulho, que têm pelo menos um campeão olímpico. No Rio de Janeiro, por exemplo, logo no início, Majlinda Kelmendi fez história para o Kosovo no judo. Mas o Kosovo fazia a sua participação de estreia.
Com as Filipinas foi preciso sofrer. Muito. Até hoje, dia que nunca mais será esquecido entre o povo e os fãs de halterofilismo. Os filipinos estão nos Jogos Olímpicos desde 1896. Na primeira edição, em Atenas, fizeram parte da comitiva espanhola e entre 1900 e 1920 competiram pelos Estados Unidos. Só em 1924, em Paris, se estrearam oficialmente enquanto país, com David Nepomuceno a correr, sem grande sucesso, os 100 e os 200 metros.
Desde então, muitos tentaram e nenhum conseguiu fazer soar o hino filipino. A primeira medalha surgiu logo em 1924, na natação, por Teófilo Yldefonso, mas foi preciso esperar praticamente 100 anos até ao ouro. Houve mais três medalhas de prata e seis de bronze, mas o ouro parecia uma utopia. Até aparecer Hidilyn Díaz.
E quem é Hidilyn Díaz, além de campeã olímpica na categoria dos -57 quilos do halterofilismo com um recorde olímpico quebrado? Além de heroína nacional, entenda-se. Tem 30 anos, faz parte da Força Aérea, estou Ciências da Computação e vem de uma família com paixão pelo halterofilismo – a prima também competiu e o primo foi treinador.
A paixão começou com onze anos. «Os meus primos eram halterofilistas e via-os a levantar pesos. Na verdade não eram bem halteres, eram bocados de madeira. Olhei para eles e achei que seria divertido se fizesse o mesmo. E foi assim que comecei», contou.
Praticamente 30 anos depois, atingiu o ponto mais alto na carreira. Depois de se estrear em Pequim, sem grande sucesso (10.ª) e sem grande conhecimento do que eram os Jogos Olímpicos, e de não ter registado resultado na edição de Londres em 2012, Hidilyn conseguiu a medalha de prata na categoria de -53 quilos no Rio de Janeiro.
O Japão foi pensado desde o início para assinalar a despedida da carreira olímpica. «Tóquio-2020 mais um será a minha quarta edição e poderá, muito possivelmente, ser a minha última. Por isso, quero dar o meu melhor nos meus últimos Jogos com o apoio de todas as pessoas que têm estado nesta viagem comigo», disse em março de 2021. Bela profecia, certo?
A luta pelas medalhas não era o mais importante. «Quero que o meu legado reflita que fui alguém que nunca deixou de perseguir os seus objetivos. Ser uma atleta não dura para sempre, não se ganha sempre, não se perde sempre. Em desporto, não há apenas milagres. Na maior parte do tempo, é preciso trabalhar arduamente para alcançar algo», afirmou.
O legado está cristalizado em ouro. A atleta que passou grande parte dos últimos dois anos sem ver a família, num misto de preparação olímpica com efeitos da pandemia, atingiu um estatuto de intocável. É o primeiro ouro na história das Filipinas. É a única atleta com um ouro e uma prata. É a única filipina com medalhas no século XXI. É especial. E nunca mais será esquecida.