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É Desporto

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23 de Julho, 2021

Hend Zaza. Uma vida em guerra salva pelo ténis de mesa

Rui Pedro Silva

Hend Zaza

A minha primeira memória olímpica, ainda que muito ténue, é de Barcelona-1992. Tinha sete anos. Passei por Atlanta, Sydney, Atlanta, Pequim, Londres e Rio de Janeiro. E agora, em pré-Tóquio, está na altura de falar sobre alguém que ainda nem sequer tinha nascido quando Nelson Évora conquistou a medalha de ouro em 2008.

Parece impossível? Pois parece, mas a idade passa por todos. Ainda assim, poucos não ficarão surpreendidos com a aparição de uma atleta nos Jogos Olímpicos nascida em… 2009. Isso mesmo, a mesa-tenista Hend Zaza nasceu a 1 de janeiro de 2009.

Será a atleta mais jovem em Tóquio. Será a mais nova de sempre do ténis de mesa. A mais nova em todas as modalidades desde 1968. E a quinta mais nova de toda a história olímpica. Impressionante? Sem dúvida.

Então e não há um limite mínimo de idade para competir nos Jogos Olímpicos? Sim. E não. Vamos recorrer ao regulamento olímpico para que não haja dúvidas. São poucas linhas e esclarecem tudo o que é preciso saber: «Não haverá qualquer limite de idade para atletas nos Jogos Olímpicos que não os aplicados nas regras de competição das federações internacionais aprovadas pelo Conselho Executivo do Comité Olímpico Internacional».

Está claro, então. Hend Zaza vai poder participar nos Jogos Olímpicos de Tóquio porque a federação internacional de ténis de mesa não tem um limite de idade que a impeça. Simples, sim. Histórico, também. Mas as estórias não se ficam por aqui.

Hend Zaza não se «limitou» apenas a nascer em 2009. Nasceu em 2009 na Síria, dois anos antes de estalar a guerra civil e tornar o país irreconhecível e inseguro até hoje. Hend Zaza não tem sequer memórias do que é viver em paz. Tem apenas as experiências que o irmão, os pais e a família lhe conta. De resto, só pode imaginar.

A biografia da atleta no site dos Jogos Olímpicos parece bastante comum. É apaixonada pelo desporto, gosta de jogar basquetebol, nadar, passar tempo com a família, ler, ver séries dramáticas na televisão. E é estudante. Portanto, até aqui, nada de espantar para uma jovem atleta nos Jogos Olímpicos.

Começou a jogar ténis de mesa com cinco anos porque viu o irmão a vencer um campeonato e decidiu que também queria entrar naquele mundo. E a qualificação para os Jogos Olímpicos também não parece, à primeira vista, ter muito de invulgar: conseguiu-a depois de derrotar uma libanesa chamada Mariana Sahakian na final do torneio olímpico de apuramento da Ásia Ocidental.

O que surpreende mais? Hend Zaza tinha onze anos acabados de fazer quando o conseguiu e derrotou uma adversária com 42 anos. Até uma criança mais nova do que Hend consegue fazer as contas: havia 31 anos de diferença naquela final.

«Foi a primeira vez que competi num palco tão importante. Venci o título, que foi mais do que podia desejar, além de qualquer expectativa, e fiquei tão feliz», afirmou.

E, nunca é demais reforçar, Hend Zaza foi fazendo tudo isto durante a guerra civil na Síria. Cresceu, aprendeu a ler, a fazer contas de matemática, a apaixonar-se pelo desporto e pelo ténis de mesa enquanto milhões fugiam do país e tornavam o território impróprio para grandes sonhos, muito menos olímpicos.

«Durante o conflito, tivemos muitas dificuldades e não treinávamos muito nem viajávamos entre cidades, por isso passei por muitos problemas. Até as raquetas e as bolas eram difíceis de arranjar», lamentou em entrevista ao site da federação internacional de ténis de mesa.

A verdade é que Hend Zaza faz parte de uma geração feminina do ténis de mesa que insiste em brilhar apesar de todas as dificuldades. No Rio de Janeiro foi a vez de Heba Allejji. Na altura, com 19 anos, recebeu uma vaga do Comité Olímpico Internacional e tornou-se a primeira síria a competir na modalidade. O objetivo: «Mostrar que ainda somos capazes de jogar e treinar na Síria».

Nessa altura, Hend Zaza tinha sete anos e jogava há poucos anos. Mal sabia Allejji, e o próprio Comité Olímpico Internacional, que a profecia iria concretizar-se cinco anos depois. Hend Zaza não teve convite para estar nos Jogos Olímpicos, mas sim para viajar para a China em 2020 e treinar com a seleção nacional.

Não há limites para Zaza, mas Tóquio-2020, em 2021, será, sobretudo um processo de aprendizagem. Está fora do top-150 do ranking e passar uma ronda já será visto como uma grande surpresa. Não tão grande como toda a sua história de (curta) vida, ainda assim.