Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

É Desporto

É Desporto

10 de Março, 2020

Helene Mayer. A medalha ganha pela judia que Hitler foi obrigado a apoiar

Especial Jogos Olímpicos (Berlim-1936)

Rui Pedro Silva

Helene Mayer

Quarta-feira, 5 de agosto de 1936, prova de florete individual na competição feminina de esgrima. A Alemanha ganha uma das suas 89 medalhas. Mas esta foi especial: foi a única conquistada por uma judia. 

Samuel Balter, basquetebol. Miklos Sarkany, polo aquático. Karoly Karpati, lutas amadoras. Robert Fein, halterofilismo. Helene Mayer, esgrima. O que têm em comum estes cinco nomes? Todos são judeus que conquistaram medalhas nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Mas só Helene Mayer o fez a representar a Alemanha de Adolf Hitler.

O ditador alemão queria fazer do evento uma manifestação da supremacia ariana mas foi pressionado pelo Comité Olímpico Internacional a demonstrar um sinal de boa fé. Perante as ameaças de boicote dos Estados Unidos, a Alemanha nazi encontrou em Mayer o caso perfeito para garantir que os judeus tinham exatamente os mesmos direitos e oportunidades.

Era mentira, todos o sabiam. Inclusivamente a esgrimista de 25 anos. Campeã olímpica em Amesterdão-1928, com apenas 17 anos, e hexacampeã germânica de florete até 1930, Helene Mayer não resistiu ao convite.

A atleta tinha abandonado a Alemanha em 1933 porque era descendente de um judeu. A viver nos Estados Unidos, onde estudava na Califórnia, continuou a competir e a ganhar troféus. Em 1936, chegou a proposta para voltar.

 

Sede olímpica

Com o passar dos anos, vários historiadores dedicaram-se a tentar compreender a razão que tinha levado Helene Mayer a aceitar o convite. Num primeiro ponto de partida, é consensual que a atleta não se sentisse verdadeiramente judia. O pai era judeu mas nem ela nem os irmãos, Eugen e Ludwig, receberam uma educação religiosa em casa.

A vontade de regressar, de ver a família e a sede olímpica surgem numa segunda linha. «Ela queria competir, queria ser famosa novamente», declarou a cunhada de Helene ao realizador Semyon Pinkhasov, quando este preparava um documentário sobre a vida de Mayer.

O russo, um antigo esgrimista, reconhece a qualidade da alemã: «Tinha um enorme talento. Era fenomenal. Se fosse viva e tivesse entre 20 e 30 anos, ganharia os Jogos Olímpicos. Era tão talentosa. É difícil acreditar quão sensível a sua mão era. A técnica dela era espetacular. O trabalho de pés era precisamente igual ao que ensinam».

Helene Mayer sentia que tinha algo a provar. Quatro anos antes, em Los Angeles, não foi além do quinto lugar depois de uma série de eventos trágicos. Em 1931, o pai tinha sido vítima de um ataque cardíaco fatal e, apenas duas horas antes dos confrontos decisivos, soube que o namorado tinha morrido numa sessão militar na Alemanha. Agora, a doença da mãe também a preocupava e serviu de motivo ainda mais forte para regressar. 

A atleta competiu pela Alemanha mas o aparelho nazi tinha instruções claras dadas por Goebbels: o passado da esgrimista, sobretudo as origens familiares, eram um tema proibido. Quem soubesse, sabia; quem não soubesse, não deveria sequer desconfiar. 

Mayer tentou passar ao lado de toda esta novela e concentrou-se apenas em competir e... na família que lhe restava, ainda na Alemanha, em campos de trabalho. Na prova de florete individual, Mayer foi ultrapassando oponentes até chegar à final, perdida para a húngara Ilona Elek. Na cerimónia do pódio, após receber a medalha de prata, a judia fez a saudação nazi.

Sentira-se obrigada a isso. Pelo seu bem e pela vida dos seus familiares.  

[Publicado originalmente no É Desporto a 5 de agosto de 2016]