Harley Windsor. Um indígena australiano nos Jogos de Inverno
Tem o nome da casa real do Reino Unido e faz parte de uma elite… individual: é o primeiro indígena australiano a competir nos Jogos Olímpicos de Inverno. Em PyeongChang, na Coreia do Sul, não conseguiu passar à final de pares na patinagem artística.
O futuro ao virar da esquina
Harley tinha oito anos. Estava no carro com a minha mãe mas uma esquina mal virada fez com que se tivessem perdido no meio de ruas desconhecidas e sem instinto de regresso que lhes valesse. Naquele momento, cada um seguiu o seu caminho: a mãe, preocupada, foi a um McDonald’s pedir indicações. O filho, intrigado, pediu autorização para ir a um rinque de gelo que estava mesmo ali à frente.
A mãe voltou, esperou e continuou a esperar. Esteve 45 minutos sem notícias de Harley e começou a ficar preocupada. Decidiu sair novamente do carro e, quando viu finalmente o filho, ficou surpreendida. «Não sabia que conseguias patinar», disse-lhe, maravilhada. «Nem eu», respondeu Harley.
A partir daí, a sua vida nunca mais foi a mesma. «Adorei a sensação de andar a deambular pelo gelo. Sentir aquela brisa fresca na cara é libertador. Senti que tinha sido feito para aquilo», explicou Harley Windsor nas semanas que antecederam os Jogos Olímpicos de PyeongChang.
Uma história tão igual e tão diferente
Não há ingredientes perfeitos para a receita do sucesso no desporto. Descobrir uma modalidade por acaso está ao mesmo nível da sugestão dos amigos, da influência familiar ou simplesmente da necessidade de arranjar alguma coisa para passar o tempo.
Aí, a história de Harley é tão natural como a de uma enorme percentagem dos atletas olímpicos. Mas a outra faceta da sua história faz com que seja único. Os pais de Harley são ambos descendentes de aborígenes, o que faz do patinador o primeiro indígena australiano a participar em Jogos Olímpicos de Inverno.
A mãe, por exemplo, cresceu no meio do campo, sem eletricidade ou água potável. Depois, cresceu e cruzou-se com outro descendente de aborígenes, embora já com uma costela sueca. Ao crescer, Harley foi obrigado a superar o estigma do preconceito, até pelas razões mais confusas.
«Há pessoas que põem em causa a minha história, dizem-me que a minha pele é demasiado clara para ser indígena. Há sempre um espertinho disposto a fazer comentários inteligentes. Apesar de este país estar muito melhor do que era há uns anos, o racismo ainda é um caso sério», disse Harley.
Esquecer desistência com «noiva russa»
O australiano não demorou muito tempo até dar nas vistas na patinagem artística. Em pouco tempo, estava a ser treinado por um casal russo que vivia na Austrália: Andrei e Galena Pachin. O adolescente gostava cada vez mais do que fazia mas passou por uma dificuldade extra: não tinha interesse na competição individual e não conseguia encontrar um par que lhe permitisse competir.
A Austrália não tem grande tradição na modalidade e a que existe é sobretudo direcionada para as atuações individuais. Foi nesse momento que os Pachin arregaçaram as mangas e exploraram os seus contactos na Rússia.
Foi assim que surgiu Ekaterina Alexandrovskaya, uma tímida russa três anos mais nova que Harley, e cujo pai tinha morrido recentemente. Ela não falava inglês e o russo dele era sofrível, mas ainda assim aceitaram o desafio de treinar juntos.
«Começámos com as elevações e foi terrível. Lembro-me de a ter praticamente deixado cair de cabeça na primeira vez que tentámos. Foi a primeira rapariga com quem o tentei fazer. Não fazia ideia do que estava a fazer», reconhece Harley.
Mas o par à força insistiu e tornou-se inseparável, cada vez melhor e com cada vez mais sucesso. Ela começou a competir pela Austrália em 2016 e em 2017 a dupla fez história, com o título mundial júnior. Foi também nesse ano que, em outubro, Ekaterina se tornou oficialmente cidadã australiana.
«Um rapaz indígena com uma habilidade e um sonho, um casal de treinadores imigrantes e uma oportunidade para uma rapariga de outro país. Quão fabuloso é isto?», comentou a coordenadora da seleção australiana de patinagem artística no gelo.
A dupla sonhava com um lugar no top-12 em PyeongChang mas falhou o apuramento para a final, reservada aos primeiros 16. «Pensei que fôssemos ter um resultado muito melhor do que este. Mas é o que é e não há nada a fazer agora. Tínhamos o potencial para seguir em frente mas, depois de pequenos erros, as pontuações não foram as que desejávamos», desabafou Harley.
Seja como for, o futuro está bem definido para o histórico atleta: «Quero ser um modelo para outros de que é possível fazer isto. Espero poder encorajar outros rapazes indígenas a sonharem com os desportos de inverno.»