Gudjohnsen. Quando o filho substituiu o pai
Tallinn, 24 de abril de 1996. Há 16 seleções a prepararem a participação na fase final do Europeu de Inglaterra, enquanto as restantes aproveitam as datas internacionais para organizar jogos particulares. Ou amigáveis, como se chamavam na altura. Ou, se quisermos ir ainda mais longe, vendo da perspetiva islandesa, jogos familiares.
Estónia e Islândia estiveram longe, muito longe, de garantir a presença no Euro-1996. A seleção do Báltico tinha terminado a presença no grupo 4, com Croácia, Itália, Lituânia, Ucrânia e Eslovénia, sem um único ponto conquistado, apenas três golos marcados e 31 sofridos, com destaque para a goleada sofrida na Croácia (7-1). A Islândia fez melhor no grupo 3 mas também não escapou ao último lugar, com uma vitória (2-1 vs. Hungria) e dois empates (0-0 vs. Turquia e 1-1 na Suécia) num grupo que também tinha a Suíça.
Com os olhos já postos na qualificação para o Mundial-1998, o jogo amigável não teria grandes motivos de interesse mas a Islândia aproveitou para fazer história. Não por ganhar 3-0, nem sequer por Bjarki Gunnlaugsson ter feito um hat-trick na primeira meia hora do encontro (8’, 22’ e 30’). A Islândia de Logi Olafsson fez história por causa de um faðir e de um son.
Pode parecer ridículo numa seleção islandesa em que quase todos eles são sons. Basta olhar para o onze: havia dois Kristinsson, um Adolfsson, um Bergsson, um Jónsson, um Sigurdsson, um Sverisson, um Gretarsson, um Thordarson e um Gunnlaugsson. Temos dez nomes, fica a faltar um. E é o único que não era «son» mas «sen». Chamava-se Arnór Gudjohnsen, tinha 34 anos e era um avançado goleador com cartas dadas na Europa continental, com experiências na Bélgica (Lokeren e Anderlecht) e em França (Bordéus).
Por esta altura, talvez já estejam onde é que esta história vai dar. Arnór era o pai de Eidur, um Gudjohnsen mais famoso, mas que naquela altura estava apenas a dar os primeiros passos no PSV Eindhoven, tinha 17 anos e aguardava pela sua primeira internacionalização no banco de suplentes.
Eidur poderia ter-se chamado Arnórsson, mas a família não seguia à risca essa tradição tipicamente islandesa, pelo que aos 62 minutos houve uma substituição que entrou para a história e à qual ninguém ficou indiferente: saiu o Gudjohnsen pai, entrou o Gudjohnsen filho.
Pai e filho fizeram história: tornaram-se a primeira dupla pai-filho a disputar o mesmo jogo internacional. Mas nunca o conseguiram fazer simultaneamente. A longevidade de um e a prematuridade do outro garantiram este feito especial na Estónia mas não voltou a haver uma oportunidade.
«A minha maior desilusão é que nunca tenhamos conseguido jogar juntos», lamentou Arnór, que se despediu dos jogos pela seleção em 1997, apesar de ter continuado a jogar até aos 39 anos, já no campeonato islandês.
A «culpa» é partilhada. Pode ser atribuída ao presidente da federação islandesa de futebol, Eggert Magnússon, que tinha dado instruções ao selecionador para aguardar o feito para um jogo na Islândia, contra a Macedónia, a 1 de junho de 1996, mas Eidur também tem alguma «responsabilidade».
A ideia era que os dois pudessem fazer a festa em frente da família, amigos e adeptos islandeses em Reiquejavique. Mas Eidur não teve sorte. Em maio, fraturou o tornozelo durante um jogo da seleção sub-18 contra a Irlanda e atravessou um período de recuperação longo.
Não só falhou o jogo com a Macedónia, num encontro em que o pai marcou o golo viking no empate a um, como demorou muito a regressar. Quando voltou aos jogos pela seleção, em 1999, já o pai tinha terminado a carreira internacional.
O filho acabou por superar as pisadas do pai. Jogou em clubes como Chelsea e Barcelona, foi campeão europeu, inglês e espanhol e, com a mesma idade com que Arnór terminou a carreira, fez parte de uma equipa histórica: a que marcou presença no Euro-2016.
Por essa altura, já o seu filho mais velho, Sveinn Aron, era internacional pela Islândia mas… apenas nos sub-19. A história não se repetiu: Arnór e Eidur tiveram uma oportunidade única e fizeram história, mas nunca esqueceram o dissabor de não terem partilhado verdadeiramente um relvado num jogo pela Islândia.