Goran Ivanisevic. O wild card que venceu Wimbledon
O desporto está repleto de eternos segundos. No futebol germânico, o Leverkusen foi vice-campeão em 1997, 1999, 2000, 2002 e 2011, nunca conseguiu chegar ao título e ainda conseguiu perder uma final da Liga dos Campeões. No ciclismo, Portugal teve durante muitos anos um fantasma a pairar sobre Vítor Gamito. O atleta de Lisboa foi segundo da Volta a Portugal em 1993, 1994, 1996 e 1999, antes de vencer, finalmente, em 2000.
Goran Ivanisevic foi o Vítor Gamito de Wimbledon durante a década de 90. Estreou-se em grand slams na relva em 1988, no ano em que se tornou profissional, e mostrou sempre que essa era a sua superfície favorita, até pelas características que tinha como tenista: alto (1,93 metros) e com um serviço que fazia a diferença.
O Open da Austrália, Roland Garros e o US Open sempre foram patinhos-feios. Em Melbourne e em Paris não fez melhor do que chegar aos quartos de final em três edições e em Nova Iorque conseguiu atingir a meia-final em 1996. Mas foi mesmo na relva de Londres que as suas capacidades foram potenciadas e ameaçavam levar o croata a almejar algo mais.
Em 1992, no ano em que começou a representar oficialmente a Croácia, perdeu pela primeira vez na final, contra Andre Agassi no quinto set. «Estou feliz pelo Andre, porque ninguém esperava que pudesse vencer aqui. Mereceu realmente a vitória», afirmou Goran, na altura com 20 anos e longe de imaginar o calvário que teria pela frente.
Ivanisevic teve uma presença na final polémica. Foi acusado de insultar um juiz de linha, negando que lhe tenha chamado macaco, e queixou-se dos insultos em sérvio vindos das bancadas. Os 37 ases foram insuficientes para alcançar o triunfo mas valeram-lhe um telefonema de Franco Tudjman, o presidente croata, para congratular uma prestação que tinha incluído triunfos sobre Ivan Lendl, Stefan Edberg e Pete Sampras.
Dois anos depois, Ivanisevic regressou à final. Houve um reencontro com Pete Sampras mas, desta vez, o norte-americano não deu qualquer hipótese e venceu em três sets (7-6, 7-6 e 6-0). Mais uma vez, o discurso do tenista croata foi conformado: «Sampras jogou demasiado bem. É melhor jogador do que eu. Os seus serviços e todas as outras pancadas foram demolidoras. E isso fez toda a diferença».
Não há duas sem três e em 1998 a final voltou a contar com a presença de Goran Ivanisevic. E com a de Pete Sampras. A vitória na meia-final de 1992 era parte do passado e por esta altura o norte-americano já tinha quatro títulos em Wimbledon. E ia a caminho do quinto, após duas horas e 52 minutos que foram suficientes para levar a melhor sobre o croata em cinco sets.
Se em 1994 Sampras tinha sido demolidor, desta vez vacilou. Perdeu o primeiro set e no segundo esteve em desvantagem no tie-break, mas Ivanisevic não conseguiu concretizar. E pagou caro. «É o pior momento da minha vida, sinto-me muito mal. Vivi outros momentos maus mas não há nada que se possa comparar com isto. Será difícil voltar a motivar-me para jogar ténis. Hoje tive a minha grande oportunidade e… perdi», lamentou o croata.
Goran Ivanisevic estava a caminho dos 27 anos e a melhor fase da sua carreira parecia parte do passado. Nos onze grand slams seguintes, venceu apenas nove encontros, não passou da primeira ronda em quatro ocasiões e entrou em 2001 relegado para terceiro plano no panorama do ténis mundial. Falhou no qualifying do Open da Austrália e esteve ausente em Roland Garros. E só chegou a Wimbledon porque recebeu um wild card. Nesta altura era 125.º do ranking mundial.
Goran Ivanisevic estava numa fase muito difícil. Assombrado por uma lesão no ombro, tinha sentido demasiado as constantes derrotas em finais. Durante um torneio em 2000, no qual perdeu depois de ter danificado todas as raquetes que tinha disponíveis, Ivanisevic demonstrou que a dor era grande: «Quando deixar de jogar ténis, ao menos vão lembrar-se de mim por algum motivo. Dirão “Era o tipo que nunca ganhou Wimbledon… mas que destruiu todas as suas raquetes”».
Quando o quadro principal de 2001 começou, o tenista croata não era mais do que uma nota de rodapé. Roger Federer estava a dar os primeiros passos, era o 15.º cabeça-de-série e perdeu nos quartos-de-final. O top-10 tinha Pete Sampras, Andre Agassi, Patrick Rafter, Marat Safin, Lleyton Hewitt, Tim Henman, Yevgeny Kafelnikov, Juan Carlos Ferrero, Sébastien Grosjean e Thomas Enqvist. Apesar do passado, Ivanisevic estava longe de ser um candidato a qualquer coisa.
Passo a passo, a história acabou por demonstrar algo diferente. Depois de derrotar o sueco Fredrick Jonsson, que vinha da qualificação, em três sets, Ivanisevic teve o primeiro teste de fogo, contra o espanhol Carlos Moya (21.º cabeça-de-série). Com 35 ases, o croata precisou de uma hora e 58 minutos para vencer em quatro sets. A lesão no ombro continuou a prejudicar o seu desempenho, mas foi insuficiente para que o espanhol pudesse fazer mais do que vencer o primeiro parcial com 10-8 no tie-break.
O norte-americano Andy Roddick caiu na terceira ronda em quatro sets e Greg Rusedski, britânico com o apoio local, foi eliminado em três sets. De repente, Goran Ivanisevic estava nos quartos de final de um grand slam pela primeira vez desde… 1998, ano da final de Wimbledon. E, tal como nessa altura, também não iria ficar por aqui. O russo Marat Safin foi afastado em quatro sets e na meia-final houve espaço para uma maratona frente a Tim Henman, na altura o grande ídolo dos ingleses que continuavam a desesperar por um campeão local. A ausência de Pete Sampras abriu caminho para um dos quatro resistentes procurarem a glória, mas o registo de Ivanisevic contra Henman era tudo menos animador: quatro jogos, quatro derrotas.
O jogo foi disputado em três dias. No primeiro, a vantagem foi de Henman. O britânico vencia 2-1 mas a chuva obrigou a decisão a ser adiada para o dia seguinte, já com o australiano Patrick Rafter a descansar e à espera de adversário. No segundo dia, sábado, a chuva não deu hipóteses. O jogo foi retomado com 2-1 para Henman no quarto set mas Goran Ivanisevic conseguiu recuperar e forçou o quinto set. Aí, com 3-2 para o croata e com Henman a servir… o jogo foi novamente adiado para o dia seguinte.
Foram precisos apenas 14 minutos no terceiro dia para Ivanisevic fixar o triunfo com parciais de 7-5, 6-7, 0-6, 7-6 e 6-3. «Se tivesse de jogar a final agora, acho que não ganharia mais do que três jogos de serviço. Deus enviou-me a chuva e salvou-me. Hoje foi um duelo de nervos, que nada teve a ver com ténis. Se esta noite for visitado por um anjo durante o sono e me disser que posso ganhar Wimbledon desde que não volte a pegar numa raquete de ténis, nem terei dúvidas», afirmou um exausto Ivanisevic.
A final disputou-se numa segunda-feira, 9 de julho. E houve espaço para mais uma maratona. Em cinco sets, Goran Ivanisevic venceu, com o público do lado dele, por 6-3, 3-6, 6-3, 2-6 e 9-7. Ali, à frente de toda a gente, o croata fizera história. Deixou de ser o eterno derrotado e tornou-se o primeiro wild card - e único até agora – a vencer um torneio do grand slam.
«Não me importa que não volte a jogar ténis. Vá para onde for, serei sempre campeão de Wimbledon. Ganhar aqui sempre foi um sonho da minha vida, não pode haver nada melhor do que isto», garantiu.
Goran Ivanisevic foi igual a si mesmo. Visivelmente afetado por problemas físicos, foi buscar forças à frustração das derrotas das edições anteriores e esteve sempre mais perto do triunfo do que Rafter, chegando mesmo a desperdiçar dois pontos de campeonato com duplas-faltas.
Ivanisevic tirou o peso das costas. Chorou de alegria, e de alívio, abraçou Rafter e festejou com as bancadas. Era finalmente campeão de um grand slam. E logo Wimbledon. O acordo que tinha feito para não voltar a pegar numa raquete foi recordado, embora não tenha sido levado à letra.
Aquele foi mesmo o último título da sua carreira. E o mais saboroso. Ivanisevic ainda participou em mais dois grand slams (Austrália-2002 e Wimbledon-2004), mas o seu propósito estava cumprido desde aquela segunda-feira de 2001. A Croácia tinha finalmente um campeão no ténis ao mais alto nível e a receção foi digna do feito: mais de 150 mil pessoas celebraram o regresso do tenista a Split. Foi merecido.