Germán Madrazo. A festa dos últimos que personifica o espírito olímpico
Mexicano aprendeu a esquiar com 42 anos e chegou a PyeongChang-2018 com 43. Foi o último por larga margem, nos 15 km de cross-country mas acabou como maior protagonista do melhor exemplo de espírito olímpico. À chegada, tinha à sua espera os últimos quatro a chegar e acabou levado em ombros.
Pôr o mundo em perspetiva
Dario Cologna é um atleta do outro mundo. O suíço com nome de italiano dominou a prova dos 15 quilómetros de cross-country em PyeongChang e conquistou o quarto título olímpico da carreira. Germán Madrazo é um homem deste mundo. Tem 43 anos, aprendeu a esquiar com 42, e foi para a Coreia do Sul para concretizar o sonho de uma vida.
Um foi o primeiro. O outro terminou em último, com um tempo 25 minutos e 51 segundos mais lento do que o helvético. Mas a distância foi ainda maior na realidade. Os atletas não saíram todos ao mesmo tempo e, enquanto Cologna largou às 6h34 (hora de Portugal continental), o Germán teve de esperar até às 6h57… e trinta segundos. Fazendo as contas, o suíço terminou a prova perto das 7h08, enquanto o mexicano protagonizou o melhor momento da prova, do dia e, possivelmente dos Jogos Olímpicos, às 07h58.
Os extremos tocaram-se, mas não só. Depois de Germán Madrazo ainda largaram mais quatro atletas mas não demorou muito tempo até se perceber que o mexicano ia fechar a prova. E ia demorar muito tempo. Mas muito tempo mesmo.
A parte boa de os atletas não partirem todos ao mesmo tempo é que permite dar mais tempo de antena aos últimos a chegar. Assim, durante praticamente meia hora, Madrazo começou a ser alvo preferencial da transmissão. Esquiava lentamente – sobretudo para um olhar habituado a ver os medalhados uns minutos antes -, não disfarçava o esgar de esforço e, quando subia as colinas do percurso, inclinava-se bastante para o lado direito, como que se o cansaço extremo lhe estivesse a toldar o equilíbrio.
Mas não desistiu. Nunca desistiu. Tal como outros na posição dele, atletas com o sonho de ir aos Jogos Olímpicos e incapazes de virar a cara à luta, mesmo quando, subitamente, o ruído da competição se transforma em silêncio sepulcral e os resistentes que se mantêm em prova quase conseguem ouvir o barulho dos seus pensamentos.
Uma chegada para a história
Os últimos metros são sempre os mais saborosos. Em PyeongChang, surgem depois de uma curva à direita, que aparece no final de uma longa subida capaz de aumentar os nervos e pôr em causa tudo o que se fez até ao momento. Mas, atingindo o ponto mais alto, a descida começa e os sorrisos aparecem.
A bancada aparece de frente para os olhos e aplaude. Aplaude como possivelmente só terá aplaudido os medalhados e os atletas da casa. Ainda antes de terminar, Germán Madrazo tem tempo para ir buscar uma bandeira do México e desfralda-a na reta da meta, de forma orgulhosa. O quarentão está feliz. A alegria transborda por todos os lados, perante a iminência de um sonho concretizado.
Metro a metro, Madrazo aproxima-se do final onde, à sua espera, tem quatro atletas: o colombiano Sebastian Uprimny, o tonganês Pita Taufatofua, o português Kequyen Lam e o equatoriano Klaus Jungbluth Rodríguez. Ou, dito de outra forma, os quatro piores classificados. Quatro atletas que, tal como ele, estavam ali por razões muito maiores do que apenas uma participação olímpica igual às outras. Juntos, personificaram o espírito olímpico na perfeição, abraçaram Madrazo, ajudaram-no a tirar o equipamento e levaram-no em ombros perante a ovação da bancada.
É também nessa altura que surgem os três medalhados. Dario Cologna dá o exemplo e, depois de ser ignorado durante alguns segundos pelos exuberantes últimos classificados, cumprimenta, um a um, os cinco homens que ultrapassaram todos os obstáculos e se sacrificaram para atingir o objetivo de uma vida. Ali, mesmo junto à meta, como em Nagano, vinte anos antes, Bjorn Daehlie tinha feito questão de aguardar pela chegada do queniano Philip Boit no final da prova dos dez quilómetros.
Final de uma aventura
Germán Madrazo sentia-se realizado. O atleta habituado a participar em competições de Ironman tinha decidido participar nesta prova depois de ler numa revista que era a modalidade mais difícil. Por isso sonhou, treinou, foi o porta-estandarte do México e terminou a prova com sucesso.
Nos últimos meses, Madrazo tinha formado uma equipa independente, da qual Pita Taufatofua também fazia parte, para treinar e melhorar o rendimento. «Percebemos que para ter sucesso num desporto individual é preciso trabalhar em equipa», contou. Para isso, treinaram juntos, viajaram juntos e cozinharam uns para os outros. Em PyeongChang, a celebração de um foi a celebração de todos.