Gascoigne. O irredutível inglês que vestiu a camisola da Lazio
Os italianos apaixonaram-se por Paul Gascoigne durante o Mundial-1990. Nas meias-finais contra a República Federal da Alemanha, o então jogador do Tottenham teve uma entrada sobre Thomas Berthold no prolongamento e o brasileiro José Ramiz Wright mostrou-lhe o amarelo. O sonho da final continuava em aberto mas Gazza percebeu naquele momento que o Mundial para ele tinha acabado – ia estar suspenso.
Passam poucos segundos e começa a engolir em seco. Gary Lineker conforta-o e olha para o banco, na direção de Bobby Robson, e avisa o selecionador de que Gascoigne não está bem. Tinha razão: o médio começa a chorar quase compulsivamente invadido pelo desespero.
Nos penáltis, a Inglaterra acabaria por perder – Gascoigne não foi chamado a marcar – mas aquela imagem tornar-se-ia imortal. Um ano depois, a Lazio apareceu em Londres para o contratar. A época ainda não tinha chegado ao fim mas os italianos não queriam perder tempo e chegaram a acordo por 6,7 milhões de libras.
O destino adiou a aventura no continente quando Gascoigne sofreu uma rotura dos ligamentos cruzados do joelho na final da Taça de Inglaterra com o Nottingham Forest. A lesão fê-lo falhar a época seguinte mas a Lazio não desistiu e chegou a um novo acordo com o Tottenham, por 5,5 milhões de libras.
A paragem na carreira permitiu que se deslocasse a Itália para conhecer melhor o clube. Foi então que se deu o primeiro choque com a realidade. Glenn Roeder, antigo companheiro de Gazza no Newcastle, acompanhou-o na altura e não tinha dúvidas: «Nos anos 90, o campeonato italiano era a grande liga para testar o talento e o Paul tinha tudo para ter sucesso. Tinha técnica e visão de jogo. Construía e marcava golos. De certa forma, era feito para o futebol italiano. O grande problema eram as lesões».
Gascoigne e Roeder assistiram ao encontro particular contra o Real Madrid e acompanharam a deslocação da Lazio ao terreno do Andria. Os rituais da equipa surpreenderam-no, com vinho antes do jogo e café no regresso ao hotel, após o encontro. «Gazza não conseguiu perceber aquilo, para ele era depois do jogo que se devia beber vinho, para celebrar.»
A estreia chegou finalmente em 1992. O Channel 4 comprou os direitos de transmissão da Serie A e mais de três milhões assistiram ao jogo com a Sampdoria. Com um detalhe: Gascoigne estava lesionado. Só depois, a 27 de setembro, fez o primeiro jogo pela Lazio, contra o Genoa.
A personalidade e o talento de Gascoigne fizeram dele um sucesso imediato – dentro de campo estreou-se a marcar no dérbi com a Roma (faz o golo do empate aos 89 minutos); fora dele, ia somando episódios desde comer as barras de Mars que os adeptos atiravam para o relvado até deixar uma cobra morta no saco de Roberto DiMatteo. «Nunca vi alguém saltar tanto», brincou Gazza.
Num outro episódio, a claque da Atalanta brindou-o com um enorme cartaz que tinha uma garrafa de cerveja gigante e uma inscrição que dizia: «Esta é para ti, Gazza». Toda a dimensão de Gascoigne no futebol italiano era fora do normal e as partidas tornaram-se frequentes. Afinal, este foi também o homem que chegou a esvaziar os pneus do Porsche de Aron Winter e que tinha o hábito pouco saudável de aparecer nu nos jantares da equipa.
O momento mais polémico terá sido, ainda assim, quando Paul Gascoigne respondeu à insistência de um jornalista com um simples e sonoro arroto. Os jogadores da Lazio estavam proibidos de falar à imprensa e o inglês decidiu ser original. O médio foi multado e o caso foi bastante escrutinado em Itália mas para a claque, a ação foi memorável. «Damos nota dez ao arroto. A culpa é do jornalista: se sabe que os jogadores estão em blackout, para quê insistir?», comentou um adepto.
A novela continuou até abandonar o futebol italiano em direção ao Rangers em 1995. Entre críticas à sua forma física - ganhava peso com muita facilidade -, os problemas físicos mais sérios (partiu a perna ao tentar roubar a bola a Alessandro Nesta durante um treino) e as polémicas fora de campo, Gascoigne tornou-se mais um obstáculo à tranquilidade da Lazio do que uma mais-valia no relvado.
E se o seu último treinador, Zdenek Zeman, não foi à bola com a personalidade do inglês, o primeiro, Dino Zoff, deixou-se conquistar. «Adorava aquele rapaz. Era um génio mas arrancava os cabelos à conta dele. O único problema é que foram poucas as vezes que pudemos comprovar o seu talento, destruiu tudo com a bebida e a comida. Ele comia gelado ao pequeno-almoço e bebia cerveja ao almoço. Quando estava lesionado, inchava como uma baleia. Mas como jogador? Fabuloso! Fabuloso!».