Flora Duffy. A persistência rumo a um feito histórico para as Bermudas
Quando se fala em Bermudas, há duas ideias que devem saltar imediatamente na cabeça de toda a gente: calções e triângulo. Se no caso da primeira, as delegações olímpicas fazem questão de cumprir a tradição e aparecer sempre de bermudas nas cerimónias de abertura – de Jogos de Verão ou de Inverno – no caso da segunda as dificuldades são maiores.
Não, não desaparecem aviões nesta história, apenas atletas. As Bermudas estão nos Jogos Olímpicos desde 1936 e desde então só não competiram em Moscovo-1980 por culpa do boicote liderado pelos Estados Unidos. O mínimo de atletas que tinham tido foi três em Melbourne, em 1956, e em Barcelona, em 1992, atingiram a maior delegação de sempre, com vinte.
Agora, em Tóquio, tiveram apenas dois. Ou seja, não conseguiam formar um triângulo nem que quisessem. No remo, Dara Alizadeh até se pode gabar de já ter vencido duas edições da famosa regata entre Cambridge e Oxford, mas no Japão não teve grande sucesso nas eliminatórias. No triatlo, Flora Duffy surgiu como um grande nome a fazer história.
O passado das Bermudas não deixa grande margem para dúvidas. Até agora, tinha havido apenas uma medalha em Jogos Olímpicos. Aconteceu no boxe, na categoria de pesos pesados, quando Clarence Hill conquistou a medalha de bronze em Montreal-1976. Desde então, nada, mesmo nada, para amostra.
Foi preciso esperar muito. E depois um pouco mais, com o adiamento dos Jogos Olímpicos. E finalmente um pouco mais ainda, uma vez que o arranque da prova de triatlo feminino foi adiado por culpa do mau tempo. Quando houve autorização para arrancar, Flora Duffy pareceu determinada. A espera tinha de acabar.
Flora era uma das candidatas ao triunfo e esteve sempre no topo da classificação. Terminou o segmento de natação na sexta posição, o de ciclismo na segunda e atacou a liderança assim que a corrida começou. Para nunca mais a perder.
Flora Duffy correu e dominou rumo a uma das medalhas de ouro mais saborosas desta edição dos Jogos Olímpicos. Não apenas por ser conquistada pelo país mais pequeno do mundo a chegar ao lugar mais alto do pódio mas também porque reflete o final de um longo caminho de persistência de uma atleta com 33 anos.
A estreia olímpica deu-se em 2008, no dia em que Vanessa Fernandes foi medalha de prata, e terminou com uma desistência. Desde então, Flora Duffy foi sendo sempre mais forte: 45.ª em Londres, oitava no Rio de Janeiro e medalha de ouro em Tóquio. E isto apesar de a pandemia lhe ter trocado as voltas.
«2020 devia ter sido o meu ano. Nunca tinha estado tão bem preparada para uns Jogos Olímpicos, nunca me tinha sentido tão apoiada e tão confiante. E depois tudo mudou. Tinha imaginado um ano de 2021 completamente diferente, a correr, sim, mas de forma mais relaxada», confessou.
Flora Duffy não estava preparada para voltar a desistir do seu sonho. Em 2008, depois da má experiência em Pequim, que culminou uma fase marcada por lesões, depressão, cansaço e distúrbios alimentares, suspendeu a carreira, começou a trabalhar nas Bermudas e decidiu que era mais importante terminar a sua formação académica. Mas a paixão pelo triatlo falou mais forte e regressou mesmo ao desporto.
«Vencer uma medalha nos Jogos Olímpicos sempre foi o meu sonho, desde que era uma criança. Por isso, mesmo nos meus dias mais sombrios, sempre pensei que não podia desistir». O tempo deu-lhe razão. Pode ser difícil, pode ser inesperado, mas no fim valeu muito a pena. Para ela e para as Bermudas, uma ilha em festa.