Figuras Olímpicas XIV - Gabby Douglas
A irmã mais velha ensinava-lhe o que podia mas Gabby conseguia fazer ainda mais. Depois de muita insistência, foi para um ginásio onde acabou por ser vítima de comentários racistas. Nunca desistiu e em Londres, com 16 anos, fez história. No Rio de Janeiro, apesar de um título olímpico, tornou-se um patinho-feio dos norte-americanos nas redes sociais.
«Anything you can do, I can do better…»
«… I can do anything better than you!» Os primeiros anos da vida de Gabby Douglas foram muito semelhantes aos de qualquer irmão mais novo: a vontade de impressionar, de imitar, de superar e fazer melhor era uma constante diária.
No caso de Gabrielle, havia as irmãs Joyelle e Arielle e o irmão John. Foi com a segunda, que praticava ginástica, que desenvolveu esse espírito de competição e mostrou o talento inato que possuía.
Arielle gostava de lhe mostrar e ensinar tudo o que sabia fazer. Uns dias depois de a ter ensinado a fazer a roda a duas mãos, a surpresa tomou-a de assalto. Sozinha, e sem qualquer tipo de conselhos, Gabby começou a fazer a mesma acrobacia mas só com uma mão.
Foi nesse momento que Arielle sentiu que tinha de fazer alguma coisa. «Foi dizer à minha mãe que eu era mesmo boa e que tinha de ir para a ginástica», afirmou Gabby. Mas na altura tinha apenas quatro anos e a mãe, Natalia, não queria que se magoasse.
A insistência fez a diferença. Depois de quatro anos de pedidos sucessivos, Gabrielle começou a praticar no ginásio de Virginia Beach.
Vítima de racismo
Apesar do sucesso de ginastas com Simone Biles e Gabrielle Douglas, a ginástica artística não é, ainda, uma modalidade com muitos praticantes afro-americanos. Quando Gabby começou a dar os primeiros passos, sentiu-se, e fizeram-na sentir, completamente isolada.
«Estava sempre a ouvir piadas racistas e não falavam comigo. Foi muito difícil. Chegava a casa e chorava compulsivamente», começou por recordar numa entrevista com Oprah Winfrey. Gabrielle lembrou também que partiam do princípio que era sempre ela que tinha de raspar a barra ou fazer outras tarefas no ginásio.
«Não é a nossa escrava?», perguntavam.
A mãe, Natalie, confirmou esses momentos negativos e admite que na altura Gabby pensou em desistir. Não queria continuar num sítio em que era mal tratada, por isso teria de arranjar outro local e um outro treinador.
Adeus à família
A ginástica artística deixou de ser um hóbi. Era uma vocação, uma área na qual Gabby demonstrava um talento inato para brilhar e onde tinha margem para crescer ainda mais… se fosse bem orientada.
O momento decisivo chegou quando tinha 14 anos. «Tive um clique. Percebi que se realmente quisesse chegar a algum lado teria de ser mais bem treinada», explicou, falando da mudança para o friorento Iowa.
A adaptação foi muito difícil. Gabby deixou a família para trás e em Des Moines foi recebida na casa de Travis e Missy Parton, um casal com quatro filhos pequenos que se tinha disponibilizado a acolher a ginasta.
Se o processo foi complicado, a alimentação nem por isso. «A primeira impressão que tive foi que ela [Missy] sabia mesmo cozinhar. Numa das primeiras noites fez um prato com bolinhas de fiambre e peru delicioso. Apaixonei-me por aquilo.»
Apesar das saudades, Douglas só queria garantir que conseguia assimilar tudo o que o treinador Liang Chow lhe ensinava. Os Jogos Olímpicos de 2012 eram um objetivo cada vez mais presente na mente da ginasta e a dedicação era total.
História em Londres
Gabby Douglas estava destinada a fazer história. Quando chegou a Londres, em 2012, tinha 16 anos e já tinha sido campeã mundial por equipas em Tóquio, no ano anterior.
Os restantes capítulos históricos vinham a caminho: tornou-se a primeira afro-americana a ser campeã olímpica no concurso completo e, naturalmente, a primeira a juntar esse título ao da prova por equipas.
Quando conquistou a medalha individual no concurso completo, a quarta para os Estados Unidos na história, tinha nas bancadas as três antecessoras: Mary Lou Retton (Los Angeles-1984), Carly Patterson (Atenas-2004) e Nastia Liukin (Pequim-2008).
Mas tornou-se também a primeira ginasta na história a vencer o concurso completo sem conseguir qualquer medalha em aparelhos isolados.
De estrela a patinho-feio
Se Londres deixou Gabby Douglas nas manchetes por boas razões, o mesmo não se pode dizer do Rio de Janeiro. Numa das equipas mais fortes da história, com Simone Biles, Aly Raisman, Madison Kocian e Laurie Hernández, Gabby Douglas repetiu o título olímpico na prova por equpas.
Por outro lado, falhou a possibilidade de defender o ouro no concurso completo. É certo que foi a terceira das qualificatórias, mas terminou atrás de duas norte-americanas, Biles e Raisman, e a regra só permite o apuramento de duas ginastas de cada país para a final.
Com um desempenho individual abaixo do esperado, Gabby começou a ser alvo de críticas nas redes sociais depois da cerimónia protocolar em que a equipa recebeu a medalha de ouro. Enquanto as quatro colegas tinham a mão no coração enquanto tocava o hino norte-americano, Douglas manteve as mãos junto à cintura.
O gesto foi interpretado como uma falta de respeito e gerou uma série de ataques nas redes sociais. Para estancar o problema, Gabby Douglas escreveu uma breve nota a pedir desculpa: «Em resposta a alguns tweets que vi esta noite, digo que me levanto sempre, por respeito, quando o nosso hino nacional é tocado. Nunca pretendi faltar ao respeito e peço desculpa se ofendi alguém.»
Aly Raisman foi uma das muitas figuras que vieram em defesa de Gabby: «Os norte-americanos adoram elogiar alguém quando vence e deitar abaixo quando se perde.»
RPS