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É Desporto

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25 de Agosto, 2016

Figuras Olímpicas VI – Santiago Lange

Rui Pedro Silva

Sebastian Lange festeja título olímpico

Argentino de 54 anos conquistou primeiro título olímpico da carreira. Fê-lo na vela, onde os dois filhos também participaram e um ano depois de ter sido operado a um cancro no pulmão. «A verdade é que a vida é uma maravilha. O que mais posso pedir?» 

 

Herança irrecusável

 

O pai participou nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952. Santiago ainda não tinha nascido mas a paixão estava-lhe no sangue. Em 1967, com seis anos, o jovem argentino percebeu que queria seguir a tradição familiar.

 

«A vela é aquilo que mais aprecio na vida. Faz parte de mim. Nunca tomei decisões para ir ao encontro da vela, elas é que surgiram no caminho. Desfruto de tudo o que faço, e gosto mesmo», garante.

 

A educação de Santiago foi uma prioridade do pai. Não estudar, não tirar um curso superior estava fora de hipótese. Aqui, mais uma vez, a vela foi uma influência persistente no adolescente, que decidiu ir para Arquitetura Naval na Universidade de Southampton.

 

A mentalidade foi o principal problema que atravessou. «Quando era novo, estava sempre zangado e agressivo. A vela fez-me perceber que não interessa de que forma a natureza te afeta. Aconteça o que acontecer, tens de te controlar e manter calmo», recorda.

 

Via olímpica

 

Não é por acaso que Santiago Lange foi o velejador mais velho a participar no Rio de Janeiro. Na primeira presença em Jogos Olímpicos, na classe Soling com Pedro Ferrero e Raúl Lena, o argentino ainda tinha adversários da União Soviética e das duas Alemanhas.

 

Foi em 1988, na Coreia do Sul. Com seis presenças olímpicas, não foi tão assíduo como João Rodrigues, português que participou em todas as edições desde 1992. Santiago falhou Barcelona e Londres. Pelo meio, conquistou a medalha de bronze na classe Tornado em Atenas-2004 e em Pequim-2008, ambas com Carlos Espínola ao lado.

 

O Rio de Janeiro não foi apenas a sexta presença, foi a mais importante. Porque foi campeão olímpico pela primeira vez – na estreante classe Nacra 17 ao lado de Cecilia Carranza Saroli -, porque tinha os filhos com ele (participaram na classe 49er) e porque ainda não tinha sequer passado um ano da operação a que foi submetido para retirar uma parte de um pulmão por causa de um cancro diagnosticado seis meses antes.

 

«Quando olho para trás, penso que foi uma boa experiência, mas difícil. Aprendi muito. Fui operado em Barcelona e cinco dias depois já andava de bicicleta. Um mês depois voltei a velejar. Estes Jogos são muito emocionantes para mim. Nunca chorei tanto como na cerimónia de abertura que partilhei com eles», afirmou.

 

A sobremesa saborosa

A família Lange no Rio de Janeiro

Lange nunca deixou que o cancro o afetasse. E, mais uma vez, atribui à vela o mérito de ter descoberto a tempo, em abril de 2015. «Se não viajasse tanto e não andasse sempre tão cansado, não teria sido detetado. Tive muita sorte», garante.

 

Depois de ser operado em setembro, Lange foi viver para o Rio de Janeiro. Não queria deixar nenhum pormenor para trás, ele que tinha começado o ciclo olímpico a pensar que não seria mais do que o treinador dos filhos Yago e Klaus.

 

O cenário mudou rapidamente de figura. Ser pai-treinador era uma pressão muito grande, não conseguiu aguentar. Mais ou menos ao mesmo tempo, recebeu o convite para competir ao lado de Cecilia. «Tudo isto foi uma surpresa fascinante para mim. Primeiro, nunca pensei que faria parte de uma equipa mista. E depois há a classe, que era nova, com uma embarcação fascinante. Foi um enorme desafio», confessou.

 

As regatas no Rio de Janeiro foram apenas o culminar da experiência. «Os Olímpicos são tudo o que fazes antes, os Jogos são apenas a sobremesa. Nestes últimos dois anos viajei com os meus filhos e partilhámos os bons e os maus momentos. Partilhar a experiência completa foi fantástico», disse.

 

Depois da última regata, Yago e Klaus saltaram para a água e nadaram em direção a Santiago. «O meu pai surpreende-me a cada dia, é fantástico», disse o primeiro. «Lutou arduamente depois do cancro e apareceu aqui, com a idade dele, a competir contra gente muito mais jovem… Ele é muito forte mentalmente.»

 

A importância do ioga

 

A força mental vem do ioga, garantiu Santiago antes dos Jogos de Pequim. «Sem ele, não estaria onde estou agora. A condução mental é muito importante. Numas regatas podes vencer, noutras ficar em último. O ioga dá-te harmonia interior e controlo. A vela consegue ser um desporto muito solitário, quando te afastas da costa não tens espetadores», comentou.

 

A medalha de ouro culminou todo o processo. «A verdade é que a vida é uma maravilha. Sou um privilegiado, tenho filhos maravilhosos, amigos espalhados pelo mundo. O que mais posso pedir? Isto é algo que faço com paixão, não importa a idade!»

 

É precisamente por isso que Santiago Lange sente que tem uma palavra a dizer: «Ainda tenho um sonho. Se sentir que tenho um bom projeto e com hipóteses de lutar por um bom resultado, quero ir a Tóquio. Vou tentar. Enquanto o puder fazer e o meu corpo permitir, continuarei a velejar.»

 

RPS

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