Figuras Olímpicas VII - Chaunté Lowe
Norte-americana viu a mãe ficar sem a casa quando era nova. Mais tarde, depois de casar e ter uma filha, aconteceu-lhe o mesmo. A saltadora em altura deu a volta por cima e agora dedica-se a aconselhar financeiramente outros atletas. No Rio de Janeiro, apesar de fazer a mesma marca que a campeã olímpica, ficou fora das medalhas. Apesar disso, mostrou sempre uma alegria contagiante.
Samba no Rio
Chaunté Lowe é uma olímpica assídua. Participa no salto em altura desde os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, e tem vindo a melhorar os resultados finais. Depois de ficar fora da final na estreia, foi sexta em Pequim e em Londres. No Rio de Janeiro, o objetivo era ganhar finalmente uma medalha.
A norte-americana estava igual a si mesma. Quando as finalistas foram apresentadas, Chaunté foi a que mais se destacou, dançando, sambando, rodopiando sobre si mesma e sorrindo para a câmara.
A saltadora tinha razões para estar feliz. Há muitos anos que a vida não lhe corria tão bem. A desilusão de ficar fora das medalhas – foi quarta classificada com 1,97 metros, a mesma marca da campeã olímpica Ruth Beitia – não foi suficiente para ser uma pedra no caminho.
A desilusão existe, claro. A atleta de 32 anos queria mesmo juntar uma medalha à prata que conquistara nos Mundiais de Helsínquia, em 2005, mas não conseguiu. Culpa de só ter ultrapassado a marca à terceira tentativa, ao contrário da espanhola, de Mirela Demireva e Blanka Vlasic, as três medalhadas.
Vocação descoberta na sala
Chaunté era uma criança irrequieta. Num dia em que a mãe saiu de casa, juntou-se às irmãs para levarem um colchão para a sala e tentarem tocar no teto enquanto saltavam ao som de “Jump” de Kris Kross.
Depois de um salto, foi parar ao chão de madeira. Foi ao saltar daí e tocar novamente no teto que percebeu que tinha uma capacidade fora do normal.
O caminho até aos Jogos Olímpicos foi atribulado. Quando chegou a casa de uma prova de atletismo no sexto ano, não encontrou as irmãs. «Foram viver com o pai delas. Vamos ficar sem casa», disse-lhe a mãe.
Os meses que se passaram foram divididos entre motéis na berma da estrada e bancos traseiros de automóveis. Um dia, a mãe decidiu que a situação não podia continuar e enviou-a para a tia.
O pai, toxicodependente, não seria grande ajuda, tinha passado a maior parte do tempo na prisão e não oferecia estabilidade. E mesmo a tia foi uma opção provisória, já que Chaunté decidiu ir viver com a avó.
Bíblia e o atletismo
A adolescente nunca se deixou afetar pela situação, muito por culpa de uma passagem que encontrou na Bíblia. «Li aquela parte que diz que Deus é o pai de todos os que não têm pais, por isso comecei a falar com ele. Tinha perdido as minhas irmãs e era como se os meus pensamentos e o meu coração fossem a sua voz. E ele respondia, encorajando-me.»
Chaunté tornou-se obcecada pelo atletismo. Na escola secundária, era uma estrela na velocidade mas queria concentrar-se no salto em altura. O treinador estava renitente e disse-lhe que só o permitiria se ela conseguisse saltar mais do que as mais velhas. O resto é história.
A qualidade fez com que fosse estudar Economia e Finanças para a Georgia Tech. Aí conheceu Nat Page, o treinador assistente da faculdade que ainda hoje a acompanha em todas as provas. «Ele adotou-me. Não oficialmente, mas acreditem… sou filha dele.»
Foi ele, por exemplo, que a levou ao altar quando casou com Mario Lowe, atleta do triplo salto.
Corrida de obstáculos
Chaunté e Mario eram atletas de qualidade elevada. Em 2007, tiveram a primeira filha, Jasmine. A vida corria bem e compraram uma primeira casa. Depois, aproveitaram uma oportunidade para adquirirem outro apartamento para arrendar.
Foi em 2008, antes da crise económica. «No dia a seguir, ele perdeu o emprego. Candidatou-se a 215 empregos sem sucesso», recorda a atleta olímpica. Sem dinheiro, viram as hipotecas serem executadas, perderam tudo e foram obrigados a ir viver para um apartamento minúsculo com a filha.
A corrida de obstáculos na vida de Chaunté não ficou por aqui. Em 2011, a segunda filha, Aurora, nasceu com Asperger e em 2014 a situação tornou-se muito complicada. «Ela estava a ter muitas dificuldades, a bater com a cabeça nas paredes. Levávamo-la para as urgências a toda a hora», lembra.
Chaunté não competiu em 2014 e decidiu ir com o marido para Orlando, à procura de um ambiente e escola mais adequados às necessidades de Aurora. A decisão compensou: «Evoluiu imenso e tenho muito orgulho em dizer que foi ‘expulsa’ do programa de necessidades especiais.»
Nova vida
O Rio de Janeiro não trouxe medalha mas Chaunté continua a ter razões para sambar e estar feliz. O terceiro filho, M.J., tem quase três anos e está «perfeitamente convencido que se chama Super-Homem» e as irmãs não escondem o orgulho que sentem.
«Às vezes tenho de refrear um pouco os ânimos. Estão sempre a dizer que sou a melhor do mundo. Fazem-me sentir bem», confessa.
A licenciatura em Economia e Finanças e os erros que cometeu no passado indicaram-lhe o caminho profissional: «Assim que tive a oportunidade de ter dinheiro nas minhas mãos, gastei-o rapidamente. Ia às compras todas as semanas, comprava carros, casas… Depois tive a primeira filha e o dinheiro deixou de aparecer. Na nossa modalidade, o teu trabalho é o teu corpo e o teu corpo estava a ser utilizado para que outra pessoa crescesse.»
É a experiência que faz com que sirva de conselheira a outros atletas. Porque além de aprender com os erros, Chaunté quer ensiná-los, para que não sejam repetidos.