Figuras Olímpicas IV - Nikki Hamblin
Nasceu em Inglaterra, corre pela Nova Zelândia e agora é elogiada em todo o mundo. Ganhou o prémio internacional de fair-play pelo episódio em que recusou deixar Abbey D'Agostino para trás na eliminatória dos 5000 metros depois de ambas terem caído. A dupla é uma das histórias mais fortes do Rio de Janeiro.
Mais importante do que ganhar
Nikki Hamblin é uma corredora modesta. Nasceu na Inglaterra, mudou-se para a Nova Zelândia com 18 anos e com 22 já batia o recorde nacional nos 1500 metros. Em 2010, nos Jogos da Commonwealth, foi medalha de prata nessa distância e nos 800.
Mas seis anos depois, no Rio de Janeiro, só esteve presente nos 5000 metros. Não tinha qualquer expetativa de conseguir um grande resultado e estava longe de imaginar que ia ser figura principal numa das histórias mais memoráveis dos Jogos Olímpicos.
Durante a eliminatória, quando ainda faltavam quatro voltas e meia, Hamblin tropeçou e levou consigo a norte-americana Abbey D’Agostino, que estava logo atrás. A neozelandesa ficou no chão, queixosa, e sentiu uma mão no ombro.
«Levanta-te, vamos terminar isto!», disse-lhe a norte-americana. Foi o que aconteceu. De motivada, Hamblin passou a ser motivadora, assim que D’Agostino sentiu que se tinha lesionado gravemente durante a queda. Hamblin podia ter continuado a correr mas não quis deixar a adversária para trás.
«Estive demasiado tempo no chão para conseguir apanhar o grupo. A partir daí, tornou-se apenas uma questão de terminar. Estou muito grata por a Abbey me ter ajudado a levantar e acho que muita gente retribuiria o favor. Uma vez na pista, há uma compreensão mútua do que é preciso para chegar aqui», comentou.
Sofrimento olímpico
A situação de D’Agostino era mais grave do que parecia. Não tinha apenas caído. Assim que se levantou, sentiu que algo estava mal na perna direita. Coxeava, muito, e só seguiu em frente devido ao apoio de Hamblin. O diagnóstico no final foi arrasador: rotura do ligamento cruzado anterior e do menisco.
«Ela tem o verdadeiro espírito olímpico», elogiou Hamblin. «Correu quatro voltas e meia naquele estado. Estou muito impressionada e inspirada por ela ter feito aquilo», acrescentou, realçando que as duas nunca se tinham visto antes.
O gesto tornou-se viral e a organização decidiu aumentar o número de vagas para que as duas pudessem correr a final. D’Agostino, lesionada, ficou na primeira fila da bancada a ver, enquanto Nikki Hamblin terminou a prova na última posição. Ainda assim, não saíram de mãos a abanar: venceram o troféu internacional de fair-play e poderão vir a receber a medalha de honra de Pierre de Coubertin.
«É muito especial. Acho que nenhuma acordou naquela manhã a pensar que ia ser o nosso dia, a nossa prova, os nossos Jogos Olímpicos. Fomos para a pista com uma vontade grande de dar o nosso melhor e provámos que se consegue ser simultaneamente competitivo e generoso ao mesmo tempo», destacou Nikki Hamblin.
Memórias
A eliminatória dos 5000 metros ficará para sempre gravada na mente de Hamblin. «Toda a gente vem para cá para ganhar mas a maior parte não consegue. Por vezes, o caminho que se faz também é muito importante. Este foi um desses caminhos e acabou por tornar-se um dos momentos mais importantes da minha vida», disse.
«Toda a gente quer ganhar e conquistar uma medalha mas, por grande desilusão que possa ser, há muito mais nos Jogos Olímpicos. Quando me perguntarem o que aconteceu no Rio de Janeiro daqui a vinte anos, esta será a minha história. Ela [D’Agostino] será a minha história».
RPS