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É Desporto

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24 de Agosto, 2016

Figuras Olímpicas III - Federico Bruno

Rui Pedro Silva

Federico Bruno na meta

O sonho de chegar aos Jogos Olímpicos obrigou-o a apostar na maratona apesar de ser especialista nos 1500 metros. No Rio de Janeiro, fez os últimos sete quilómetros com cãibras e terminou a correr de lado. Desistir nunca foi uma opção: «Queria ser olímpico.» 

 

O homem-caranguejo

As imagens marcaram quem estava a ver os últimos maratonistas a chegar ao Sambódromo. Na primeira vez que apareceu na transmissão televisiva, o argentino Federico Bruno, de 23 anos, parou. Estava em sofrimento. Uns metros mais à frente, o paraguaio Derlys Ayala interrompe a corrida e tenta perceber o que se está a passar.

 

Bruno resiste. Percebe que não dá mesmo para correr e começa a correr de lado, como se fosse um caranguejo. «Não conseguia correr de frente, os músculos já estavam mortos. Então procurei usar alguns que não tinha utilizado e comecei a correr de lado», explica no final.

 

No Sambódromo, Federico foi ovacionado quando cruzou a meta, precisamente a correr de lado. Foi o 137.º, entre 140 atletas que terminaram, e precisou de duas horas, 40 minutos e cinco segundos para cumprir a distância.

 

«Tinha cãibras por todo o lado, até na boca. Olha a minha mão, estou com cãibras agora», afirmou em entrevista logo após a prova. «Corri como podia. Às vezes de lado, outras vezes todo dobrado. Parecia um velho com 100 anos. Aliás, pior. Uma pessoa com 100 anos consegue correr melhor», brincou.

 

Desistir nunca foi uma opção para o jovem argentino. «Para ser um olímpico tinha de terminar a corrida. Concretizei o meu sonho», explica.

 

A vergonha e o orgulho

A evolução na maratona

Um dia depois, em declarações à imprensa argentina, Federico Bruno reconheceu que teve vergonha de terminar da forma que terminou, mas que a satisfação de terminar e tornar-se «um atleta olímpico» é mais forte do que o resto.

 

«Até na boca tinha cãibras. Outros no meu lugar talvez tivessem abandonado mas eu preferi chegar, apesar de o corpo me dizer o contrário. Ele queria que eu parasse mas a minha cabeça disse-me sempre para continuar», afirmou.

 

Os problemas físicos foram notórios. «Aos 38 quilómetros, os voluntários tentaram tirar-me da prova mas eu não os deixava agarrarem-me. Eles não te podem tocar sem que tu autorizes e eu queria continuar. Houve muitos argentinos a darem-me força, correndo ao lado com bandeiras.»

 

A evolução da prova demonstra que Federico Bruno estava em crescendo até à marca dos 35 quilómetros, quando ocupava o 101.º lugar a 9’51’’ da liderança. Mas entre os 35 e os 40 perdeu 36 posições e mais de 16 minutos.

 

Com ele no último quilómetro estava Derlys Ayala, um amigo que conhece desde criança. O paraguaio não o abandonou e ajudou no que podia: «Creio que é este o espírito olímpico. Ajudarmo-nos mutuamente. Cumprimos o nosso sonho de chegar, que era muito importante para os dois. Seria muito triste não conseguir terminar a maratona… mas conseguimos», disse Ayala à imprensa paraguaia.

 

Obsessão pelos Jogos Olímpicos

Derlys Ayala com Federico Bruno na meta

Federico Bruno é o melhor corredor argentino nos 1500 metros e era essa prova que queria fazer no Rio de Janeiro. O jovem de Concordia tinha de conseguir os mínimos de qualificação de 3’36’’ mas Thiago Rosario, o atleta que serviria de lebre para alcançar o tempo, lesionou-se durante a preparação.

 

O argentino entrou numa procura obsessiva por uma alternativa, a tentar encontrar uma prova boa o suficiente em que os tempos fossem reconhecidos, mas não conseguiu. A solução? Apostar na maratona.

 

A federação argentina não apoiou. Em fevereiro de 2016, Bruno fixou a maratona de Roterdão como objetivo mas ainda não sabia como é que iria arranjar o dinheiro para cruzar o Atlântico. «Não me importa como, o que tenha de fazer ou correr, vou estar no Rio de Janeiro», garantia.

 

E tinha razão. Não foi na maratona de Roterdão a 10 de abril mas na de Hamburgo sete dias depois. Com um tempo de duas horas, 15 minutos e 40 segundos, vinte segundos abaixo do mínimo exigido, Federico garantiu a terceira vaga da Argentina para os Jogos Olímpicos.

 

No final conseguiu o que mais desejava: «Ser olímpico». 

RPS