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É Desporto

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23 de Agosto, 2016

Figuras Olímpicas II - Isaquias Queiroz

Rui Pedro Silva

Isaquias Queiroz venceu três medalhas/MINISTÉRIO DO ESPORTE

Isaquias teve uma infância atribulada: os médicos disseram-lhe que ia morrer aos três anos, foi raptado e perdeu um rim depois de cair de uma árvore. O canoísta resistiu a tudo e no Rio de Janeiro, com 22 anos, tornou-se o primeiro atleta brasileiro a vencer três medalhas na mesma edição de uns Jogos Olímpicos. 

 

Estrela brasileira

 

O Brasil conquistou 19 medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: três foram ganhas por Isaquias Queiroz. O canoísta de 22 anos foi prata em C1 1000 e C2 1000 e bronze em C1 200.

 

«Fico muito feliz por ver o meu nome entrar no livro dos recordes do desporto brasileiro mas a verdade é que não depende só de mim. A minha equipa está toda de parabéns. Se eles não estivessem comigo, a vitória não valeria a pena e eu não conseguiria alcançar estes objetivos. Eu dedico esta vitória à equipa da canoagem, que é maravilhosa e nunca nos abandonou», afirmou.

 

A entrada de Isaquias na mira dos brasileiros foi meteórica. De quase desconhecido, apesar de três títulos mundiais, passou a herói nacional. Tanto que se criou uma onda de pressão para que a Lagoa Rodrigo de Freitas passasse a ter o seu nome.

 

A intenção surpreendeu o brasileiro, que garante que a maior medalha que ganhou foi o carinho do público, que marcou presença todos os dias nas provas e fez sempre questão de cantar o hino. «Estou sabendo da vontade de mudar o nome da lagoa. Fiquei surpreendido para caraca, porque sou um atleta que nunca tinha ganhado medalha na Olimpíada… chegar assim e o pessoal ter esse carinho e querer trocar o nome…»

 

A ideia não vai sair do papel. De acordo com uma lei federal brasileira de 1977, é proibido atribuir nome de pessoas vivas a bens públicos.

 

Infância atribulada

Isaquias Queiroz/GETTY IMAGES

Para muitos, é mais surpreendente que Isaquias Queiroz tenha chegado vivo aos 22 anos do que o facto de ter conquistado três medalhas no Rio de Janeiro. Não é caso para menos: há muitos atletas olímpicos com histórias de vida insólitas mas o baiano de Ubaitaba parece superar todos os limites.

 

Isaquias cresceu com a mãe Dilma e nove irmãos: cinco biológicos e quatro adotados. Como o pai já tinha morrido, o dia-a-dia em casa era caótico. Num desses dias, com Dilma a trabalhar, Isaquias sofreu queimaduras graves no corpo por culpa de uma panela deixada a ferver por uma irmã.

 

O rapaz tinha três anos e esteve internado durante um mês no hospital. Os médicos julgaram que ia morrer e enviaram-no para casa. Mas Isaquias não morreu, longe disso. E continuou a juntar episódios caricatos atrás de episódios caricatos.

 

Com cinco anos, desapareceu. Ninguém sabia dele. A mãe achou estranho: afinal, pouco tempo antes, uma mulher tinha ameaçado que ia roubar-lhe um filho. Parece ter sido o que aconteceu, embora nunca se tenha provado, depois de Isaquias ter sido encontrado abandonado na rua.

 

O último capítulo surgiu com dez anos. Irrequieto e irreverente, viu a sua atenção ser dominada por uma cobra morta. Na ânsia de a ver de perto, subiu a uma árvore, desequilibrou-se e caiu de costas em cima de uma pedra.

 

Com uma hemorragia grave, foi transportado para o hospital e perdeu um rim. Ganhou a alcunha de “Sem Rim” na cidade e está desde então obrigado a beber muito mais água do que fazia.

 

Vocação encontrada

Isaquias Queiroz no pódio/GLOBO

A queda foi em 2004 e em 2005 mudou a vida para sempre. «Um ano depois comecei a canoagem. As pessoas achavam que não daria certo, achavam que seria uma deficiência. Mas acabei a mostrar ao Brasil e ao mundo que não há nada de deficiência, não tem nenhum problema», comenta, em declarações à AFP.

 

Isaquias Queiroz até acha que deve ter acontecido mais alguma coisa durante a operação. «Acho que me devem ter implantado um pulmão extra», brinca.

 

A perda de um rim nunca foi motivo de conversa ou de desculpa durante as provas. «Nunca disse que tinha perdido por ter só um rim. Não, eu gosto de competir de igual para igual. O ruim é quando uma pessoa perde comigo e diz que perdeu para alguém que só tem um rim.»

 

O sucesso na canoagem desde cedo fez com que abandonasse a escola no quinto ano. Julgava que não precisava de estudar mais mas sentiu a necessidade de arranjar uma forma de ajudar a mãe e os irmãos. Por isso, começou a trabalhar na feira da cidade, sugerindo às pessoas que lhes carregasse os sacos de compras em troca de gorjetas.

 

Relações conturbadas

 

Ubaitaba tornou-se demasiado pequena para o talento do canoísta, por isso, em 2011, Isaquias foi viver para o Rio de Janeiro. Desadaptado, não tinha amigos nem dinheiro suficiente.

 

Quando ficou de fora da seleção brasileira que ia participar nos Jogos Pan Americanos, decidiu regressar para a família, sem autorização. A federação brasileira de canoagem suspendeu-o e deu-se início a uma série de duelos com o canoísta.

 

Isaquias não esteve nos Jogos Olímpicos de Londres, com 18 anos, mas no ano seguinte conquistou duas medalhas no Mundial. Inconformado com o tratamento recebido, escreveu um post no Facebook com o título “Desabafo de um campeão triste”.

 

«Estou pensando em abandonar a canoagem. Já não aguento mais apresentar bons resultados e não ter mudanças significativas na minha vida», escreveu, lamentando a diferença de tratamentos e a falta de apoios e reconhecimento.

 

O momento de viragem

A terceira medalha de Isaquias

Isaquias Queiroz era uma das maiores esperanças da canoagem brasileira e em 2013 a federação decidiu contratar o treinador Jesús Morlan. No passado, o espanhol já tinha levado atletas a vencer cinco medalhas olímpicas e, apesar de ter ofertas mais vantajosas, confessou que não resistiu à possibilidade de trabalhar com um «diamante em bruto».

 

O talento estava lá, era evidente, mas nem sempre foi fácil domá-lo. Em 2014, por exemplo, nos Mundiais de Moscovo, festejou o título demasiado cedo e caiu da canoa antes de cruzar a meta. Desde logo perdeu o título para o alemão Sebastian Brendel, mas a medalha de prata também lhe foi retirada. A organização entendeu que não tinha terminado a prova.

 

«O meu mundo desabou. A única coisa que tinha para fazer era chorar», lamentou em declarações à revista Isto É.

 

A evolução mental começou a acompanhar o talento desportivo e no ano que desaguou no Rio de Janeiro só houve mais um desentendimento com a federação. Foi em setembro de 2015, quando o atleta liderou o boicote ao evento-teste em protesto contra o atraso no pagamento de salários e das fracas condições de hospedagem.

 

Agora, tudo faz parte do passado. Isaquias Queiroz é um homem feliz, mesmo sem conquistar qualquer título olímpico, e está na história do Brasil. Nada mau para alguém que ia morrer aos três anos. 

RPS

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