FCSB. Foram-se as palavras, ficaram as iniciais
Conflito com Ministério da Defesa Nacional levou a que o polémico presidente Gigi Becali fosse obrigado a assumir uma decisão inédita: o Steaua Bucareste perdeu as palavras e a nova denominação oficial inclui apenas as iniciais. Na terceira eliminatória da Liga dos Campeões, o Viktoria Plzen defrontou o FC FCSB.
Bandeira de leste
Sevilha, 7 de maio de 1986. A Roménia preparava-se para fazer história na Taça dos Campeões Europeus quando o Steaua Bucareste entrou em campo para disputar a final da competição, no Sánchez Pizjuán contra o Barcelona. O peso da história jogava contra a equipa de leste: nas 30 edições anteriores da competição, apenas países do eixo ocidental tinham conseguido levantar o troféu: Espanha, Portugal, Itália, Escócia, Inglaterra, Holanda e Alemanha.
Os tempos eram outros e havia sempre muito em jogo. Mais do que a identidade nacional - numa fase em que o número de estrangeiros era residual - estava também em jogo o peso político. Estávamos na década de 80. A União ainda era Soviética e a Alemanha continuava separada. O bloco de leste fazia os possíveis para se assumir no desporto mas o sucesso dos Jogos Olímpicos não conseguia alcançar a transposição para o futebol. Ali, no calor da Andaluzia, o Steaua Bucareste ia assumir a bandeira de leste.
O onze do Steaua não tinha um único estrangeiro. Comandado por Emerich Jenei, tinha um conjunto de jovens como Miodrag Belodedici e Marius Lacatus, que ainda viriam a representar a Roménia nas fases finais da década de 90, e futuros treinadores de renome, como Victor Piturca, Anghel Iordanescu e... Lazslo Bölöni. Do outro lado, o Barcelona tinha um alemão, Bernd Schuster, e um escocês, Steve Archibald, além do inglês Terry Venables como treinador.
A falta de pontaria marcou a toada dos 120 minutos do jogo. Depois, na lotaria das grandes penalidades, seis dos oito pontapés não deram em golo. E Duckadam, o guarda-redes romeno, ganhou o estatuto de herói de Sevilha ao defender os quatro penáltis do Barcelona. O jejum tinha acabado: o futebol de leste conseguia finalmente um título europeu de clubes.
Bandeira nacional
Se o sucesso europeu foi sofrido, a supremacia nacional raramente esteve em causa. Fundado em 1947 (o clube celebrou o 70.º aniversário este mês), o Steaua Bucareste pertenceu ao exército romeno até 1998. A ligação com o poder político sempre foi muito forte e o clube do regime nunca teve oposição para se assumir como uma das principais potências romenas.
Com 26 campeonatos nacionais, o Steaua é a equipa mais titulada, à frente do Dínamo Bucareste (18). Mas em 1986, por altura da conquista do título europeu, a disputa era mais acesa. Aí, o Steaua tinha onze campeonatos contra os 12 do principal rival.
A vitória de Sevilha serviu de mote para a conquista da hegemonia. Foi também nessa altura que se registou o aparecimento progressivo de Gigi Becali como detentor minoritário do clube. A sua influência, conquistada através do enriquecimento pelos negócios com o exército romeno, era crescente e em 2003 tornou-se finalmente acionista maioritário da equipa.
Mudança de nome
Becali é conflituoso. O envolvimento em escândalos é cíclico e a incompatibilização com o poder político romeno levou a que o Ministério da Defesa Nacional da Roménia processasse o Steaua Bucareste em 2011 por uso indevido do nome, emblema, cores e títulos. Afinal, tudo seria propriedade do estado.
Três anos depois, em dezembro de 2014, o tribunal deu razão ao ministério, declarando que o registo que Becali tinha feito da marca em 2004, um ano depois de se ter assumido como acionista maioritário, era ilegal. O Steaua Bucareste, como era conhecido, estava à deriva e sem rumo à vista.
«Becali nunca teve a história deste clube, ela pertence ao exército. Foi sob este símbolo que a Taça dos Campeões Europeus e a Supertaça Europeia foram ganhas. Seria injusto se Becali as pudesse manter. Era o que ele queria, as duas estrelas no símbolo, mas agora ficámos com elas. O clube não pode voltar a utilizar o nome "Steaua". Não vamos aceitar a confusão», disse o jurista do ministério Florin Talpan, em 2014.
O processo foi conturbado e teve o último capítulo, por agora, em março de 2017, quando a federação romena aprovou a mudança do nome do clube de SC Fotbal Club Steaua București SA para Fotbal Club FCSB SA. Becali conseguiu, ainda assim, manter o ranking da UEFA e as conquistas do passado.
Esta semana, o FCSB "estreou-se" nas competições europeias. Recebeu o Viktoria Plzen na primeira mão da terceira eliminatória da Liga dos Campeões e empatou a dois golos. O símbolo está diferente. O nome está diferente. Mas, por muito que na Roménia e na própria UEFA se faça o esforço para assumir a identidade do clube como FCSB, dificilmente o clube perderá a noção de ser "Steaua Bucareste" entre os adeptos espalhados pela Europa.
Mesmo que uns digam Stêua. E outros Stóia. E outros Chtóia. E outros Sté-au-a.
RPS