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É Desporto

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16 de Outubro, 2017

Farense. Um tomba-gigantes com cheirinho a tradição

Rui Pedro Silva

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Tarde de sol, magia da Taça e um jogo que nos faz recuar até à década de 90. Jorge Ribeiro derrubou o Estoril e os algarvios vestiram uma pele que não lhes assenta muito bem: pode um histórico do passado ser visto como tomba-gigantes? 

 

As tardes do São Luís

 

O São Luís em Faro faz parte do imaginário de criança. Foi por um Farense-Sp. Braga que passou a haver segunda televisão em casa e, durante mais de dez épocas consecutivas, a equipa foi a representante do Algarve no primeiro escalão. Por lá passaram alguns dos melhores africanos que jogaram no futebol português, como Hassan ou Rufai.

 

O Farense era a bandeira perfeita de uma região. Como Marítimo foi durante muito tempo da Madeira, como o Desp. Chaves é de Trás-os-Montes ou como o Campomaiorense foi do Alentejo durante um breve período de tempo.

 

Foi no São Luís que o Benfica de Preud’Homme foi humilhado em 1995. Foi no São Luís que Ivic viu o seu destino no FC Porto começar a ser traçado. Foi no São Luís que o Sporting tremia a arrancar o campeonato e fazia prever épocas complicadas. Foi no São Luís que Portugal bateu a Holanda num particular com golos de Oceano e César Brito. E foi no São Luís que Sérgio Leite fez uma das melhores exibições de sempre de um guarda-redes português (1-0 vs. Espanha que valeu apuramento para o Europeu sub-21).

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O São Luís respira história e tradição. Mas para mim o momento gravado mais profundamente na memória inclui o nome de Abílio. Era a última jornada de 1996/97 e o empate do V. Guimarães com o Sp. Braga (0-0) abria caminho para a Taça UEFA ao Salgueiros. Para isso, a equipa de Paranhos tinha de vencer e estava empatada: Abílio inaugurara o marcador mas Camilo tinha empatado.

 

De repente, em cima do apito final, há um penálti para o Salgueiros na baliza norte. Com nove golos no campeonato, o médio especialista em lances de bola parada vai à procura do mais importante da sua carreira até então. Encara Marco Aurélio, parte para a bola e… falha. Três anos depois do momento dramático na Corunha, Portugal tinha a sua própria versão. E Abílio, uma vedeta, entrava na galeria dos horrores. E tudo isto foi acompanhado pela rádio, imaginando cada momento numa fase em que os relatos eram muito mais descritivos do que opinativos. 

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Um hiato de 23 anos

 

O Farense-Estoril da terceira eliminatória da Taça de Portugal foi o primeiro duelo entre as duas equipas desde a última jornada de 1993/94. Os canarinhos foram os primeiros a passar pelo inferno dos escalões secundários e chegaram a ter a certidão de óbito pronta a assinar, depois calhou aos algarvios. Desceram aos distritais e já estiveram na II Liga desde então. Agora, 23 anos depois, o Estoril está consolidado na Liga Portuguesa e o Farense faz o possível para subir no Campeonato de Portugal.

 

Os tempos são outros mas «Farense-Estoril» continua a soar a jogo importante. Em junho de 1994, os treinadores eram Paco Fortes e Carlos Manuel e havia jogadores como Portela, Miguel Serôdio, Hajry, Djukic, Pitico, Giovanella, João Oliveira Pinto e Christian. Agora há Neca, Jorge Ribeiro, Moreira e Kléber.

 

E há um São Luís diferente. Com uma bancada nascente que não havia na altura e coberturas metálicas nos topos. Para nós, é uma experiência única. Ver na televisão nunca é suficiente para perceber o que se passa, para saber qual é a dimensão do estádio, como parece quando se chega.

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Por isso, como em qualquer estreia, há sempre uma pausa para nos habituarmos ao que nos rodeia. Para olhar para a bancada que não nos lembramos de ver, para olhar para a baliza onde Abílio falhou o penálti, para a bancada que nos parecia sempre tão intimidante nos jogos com casa cheia. E há sempre uma sensação de prazer quando se percebe que o jogo vai ser à tarde e as bancadas vão estar compostas (mesmo que a que aparece na transmissão televisiva tenha apenas a pequena claque do Estoril).

 

«Se és de Faro, és Farense»

 

O lema está por todo o lado e é cumprido à letra. Sim, há um pequeno rapaz com uma camisola do Benfica e o jogo da véspera das águias com o Olhanense ainda está na ordem do dia, mas quando se entra no São Luís, vê-se, sente-se e respira-se Farense.

 

Receber uma equipa da primeira divisão, mesmo que o Estoril, é o pretexto perfeito para recuperar a nostalgia do passado. E bater o pé não é tanto uma questão de ser o tomba-gigantes da eliminatória, mas sim o de mostrar que o orgulho nunca se perde. Nem a magia de quem até à UEFA já foi.

 

Mesmo com a «bancada nova» a destoar, a assistência parece perfeita para aquele estádio. Não está a abarrotar, mas está cheio. Tem a dimensão perfeita para transpor o apoio para as quatro linhas e intimidar quando é necessário. Como, por exemplo, quando Kléber é expulso depois de tentar um pontapé de bicicleta.

 

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O regresso aos balneários é feito calma e lentamente. Mas o brasileiro não sabe o que está para chegar. Quando percorre a linha de fundo junto à baliza norte, é escoltado por três adeptos do Farense em momentos diferentes. Ao primeiro, reage apenas com um olhar fixo. Ao segundo, não se controla e entra no bate-boca, provocando uma fúria ainda maior dos adeptos do Farense. Depois, nos últimos metros antes de entrar no túnel, volta a ser recriminado pela acrobacia que partiu o nariz ao adversário.

 

Superioridade faz acreditar

 

Jogar contra dez foi o impulso definitivo que o Farense precisava. Kléber estava a ser o jogador mais perigoso – teve duas excelentes oportunidades nos primeiros minutos – mas os algarvios estavam a encarar o adversário olhos nos olhos. A partir do momento em que a superioridade numérica chegou, a diferença de escalões esbateu-se completamente. O sinal mais começou a ser do Farense e a sensação começou a ser que o golo estava para chegar. 

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Os South Side Boys, claque do Farense, não se calava e assumia maior protagonismo do que os cerca de 40 adeptos que o Estoril. Mas não era apenas a claque. Não havia adepto do Farense que não estivesse dedicado à oportunidade de conseguir chegar à quarta eliminatória.

 

Também havia adeptos do Estoril nas outras bancadas. Na segunda parte, à nossa frente, estavam três casais alentejanos com cores divididas. Foi difícil perceber exatamente em que pé estavam. Uma das mulheres, com um sotaque cerrado, e talvez já farta de ouvir a claque do Farense a cantar ali mesmo ao lado, solta um desabafo na direção dos adeptos do Estoril: «Aqueles ali não fazem nada, não trouxeram o batuque nem nada». 

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Minutos depois, outra mulher levanta-se da sua cadeira e passa à frente dos amigos. «Vou ali chatear o meu marido», começa por dizer, dirigindo-se depois já diretamente a ele: «Tu estás pelo Estoril, não é? Eu estou pelo Farense!».

 

Ela saiu a ganhar. Uns minutos depois, já depois de Jorge Ribeiro ter atirado à barra, o Farense conquista um penálti. Ali, mesmo à frente da claque. O mesmo Jorge Ribeiro, experiente, não desperdiçou e abriu caminho para o triunfo.

 

Era o segredo mais mal guardado daquela tarde. O Estoril estava encostado às cordas e o Farense estava a jogar como um primodivisionário, capaz de controlar tudo o que o adversário fazia e mostrar que não é qualquer equipa que passa no São Luís. Como tantas vezes Benfica, FC Porto e Sporting sentiram no passado. 

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Os minutos até ao derradeiro apito do árbitro não foram mais do que o antecipar de uma expetativa que acabaria por explodir com uma onda de alegria e sensação de dever cumprido. Ali, pelo menos por um instante, o Farense era de primeira categoria. E continuará a ser pelo menos até à próxima eliminatória.

 

E assim, com o orgulho reforçado e depois de mais um momento de simbiose perfeita entre adeptos e jogadores, voltou cada um para a sua vida. Alguns talvez tenham podido ir a pé para casa, como os vizinhos dos três homens que tentavam assistir ao jogo da varanda de um andar elevado. Outros, como nós, voltaram para o carro e iniciaram uma longa jornada de regresso até Lisboa. E, como os anos 90 não morreram com o jogo, acompanhou-se o final da jornada da Taça pela rádio, com destaque para os penáltis do Moura-Portimonense.

 

A conclusão: perceber mais uma vez que não é preciso ver futebol para sentir futebol. E como a rotina do jogo ao domingo à tarde seguido dos resultados e rescaldos pela rádio no regresso a casa é um dos momentos mais satisfatórios de um fim-de-semana.

RPS/SSM

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