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É Desporto

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06 de Janeiro, 2019

Estrela-Belenenses. Uma prova de vida do futebol puro

Rui Pedro Silva

Estrela-Belenenses

Domingo, 6 de janeiro, três da tarde. E um dia de sol suficiente para obrigar os friorentos a tirar os casacos. Parecendo que não, esta é uma receita simples do futebol tradicional. Pode não ser requintada, pode não ter ecrãs gigantes com a constituição das equipas nem sequer o marcador do jogo, pode não ter uma bancada coberta… mas não engana.

 

O futebol, o puro, é aquele que resiste nas nossas memórias e nos faz ter saudades do passado. A qualidade podia não ser melhor, as arbitragens eram igualmente contestadas e as condições de treino estavam a anos-luz das atuais, mas continuamos a recordar esse futebol com um brilhozinho nos olhos e a nostalgia de que algumas coisas possam voltar a ser como antes.

 

A receita do Estrela-Belenenses, dois históricos da área metropolitana de Lisboa e com um passado rico no futebol português, é como a do bolo de iogurte que se faz em poucos minutos e nunca dececiona. Reparem: é um jogo à tarde de domingo. Depois há, claro está, as nuances que fizeram deste jogo uma partida tão especial e ansiada desde que o calendário saiu.

 

São dois clubes que pagaram os erros cometidos. No Restelo, o Belenenses cortou o cordão com a SAD e foi obrigado a recomeçar do zero. Na Reboleira, o Estrela da Amadora no início da década e tem agora a continuação da árvore genealógica assegurada pelo Clube Desportivo Estrela. O reencontro de dois rivais – num antagonismo que se estendia aos escalões de formação – foi automaticamente associado ao futebol nostálgico e ninguém quis faltar.

 

Se dúvidas houvesse, ficaram desfeitas quando duas bancadas encheram ainda antes do apito inicial. Isto não era um Estrela-Belenenses. Era a prova que o português sente falta do futebol puro e faz fila para ver história.

José Gomes regressou ao antigamente

As portas abriram cerca de meia hora antes do apito inicial mas o reboliço nas imediações era enorme. «Bem, isto é um ambiente de um jogo da primeira liga!», ouvimos numa esquina. As bilheteiras registavam vendas a uma velocidade recorde e os grupos de adeptos alimentavam conversas à espera do arranque.

 

Fotógrafos, jornalistas e câmaras de televisão juntavam-se à festa e precipitavam os primeiros cânticos. Ali tão perto, um carro destacava-se por exibir um cachecol do Estrela imediatamente abaixo de um do Belenenses.

 

A rivalidade fora esquecida. Ali, naquele momento, eram apenas dois amigos de longa data que se voltavam a ver logo a seguir aos piores momentos das suas vidas. Dois amigos que acreditavam que, juntos, poderiam regressar à elite.

 

O sistema sonoro do estádio entrou em ação e, ironia das ironias, arrancou com uma aparente mensagem subliminar.

 

«A recordação vai estar com ele aonde for

 […]

Lambando estarei ao lembrar que esse amor

Por um dia, um instante, foi rei»

 

A Lambada acertava em cheio no nervo. A música foi lançada em 1989, época em que o Estrela de João Alves, com Bobó, Paulo Bento, Abel Xavier, os irmãos Neves, Rebelo e muitos outros, foi até ao Jamor conquistar a Taça de Portugal. Numa final contra o Farense que, na ronda anterior, tinha afastado o Belenenses.

 

Agora, trinta anos depois, não havia mais do que recordações. E essas, felizmente, jorravam a cada dedo de conversa. Dos mais velhos aos mais novos, eram várias as lembranças das visitas à Reboleira, os jogos, os jogadores e os grandes momentos que tinham visto.

 

O Estrela-Belenenses também foi mais do que um jogo de futebol: foi um momento de expiação. O significado era muito mais forte do que a qualidade. Até porque bem podemos dizer que é a Primeira Divisão da Distrital de Lisboa mas não deixa de ser… o terceiro escalão da Distrital de Lisboa.

 

O relvado também não ajudou. A qualidade foi a possível e os jogadores fizeram o máximo para aproveitar aquele que terá sido, muito provavelmente, o momento mais alto das suas carreiras. Se em campo havia praticamente 22 desconhecidos do grande público, nas bancadas brilhavam nomes como Filgueira, Rui e Jorge Neves, Rebelo e Abel Xavier.

 

Os adeptos deram a alma ao jogo. Antes do apito inicial, os líderes das claques Fúria Azul e Magia Tricolor trocaram cachecóis num momento muito aplaudido. Durante o jogo, ajudaram a aquecer ainda mais uma tarde quente, com cânticos intensos, bate-bocas saudáveis e uma onda ecoante durante as jogadas de perigo.

Estrela-Belenenses

Esta última é mesmo aquele momento que torna um jogo ao vivo tão especial. A forma como ouvimos as reações espontâneas, em simultâneo, de centenas de adeptos que se juntam em coro perante o desejo – e obsessão – de poder haver um golo.

 

Mas não houve. Nenhum. Nem sequer oportunidades flagrantes que resistam na memória. Fosse o contexto diferente e diríamos que o jogo tinha sido mau, uma perda de tempo. Mas ali, no velhinho José Gomes, os adeptos nunca perderam o entusiasmo. O interesse era tão grande que a bancada nascente teve de ser aberta por razões de segurança.

Bancada nascente também teve de abrir

Este Estrela-Belenenses não foi um 0-0 da divisão mais baixa do campeonato distrital. Este Estrela-Belenenses foi um exemplo. Um que já tínhamos vivido, com as proporções devidas, nas distritais de Portalegre, com um Elvas-Campomaiorense, e do Porto, com um Felgueiras-Salgueiros.

 

Foi um jogo de renascimento. Foi uma prova de vida. Do Estrela. Do Belenenses. E dos adeptos que nunca perderão o interesse pelo futebol puro, pelos momentos especiais e pelas boas histórias. O Estrela e o Belenenses foram as personagens principais, claro, mas todos nós fomos figurantes deste episódio marcante da temporada.

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