Ester Ledecka. O improviso que chocou o esqui alpino
Checa tem dois títulos mundiais no snowboard mas foi no esqui alpino que venceu a primeira medalha de ouro olímpica. Quando já ninguém o esperava, surpreendeu o mundo, interrompeu as celebrações que já existiam e somou um outro pequeno triunfo: contra todos os treinadores que lhe disseram que não ia conseguir conciliar duas modalidades.
De onde é que ela apareceu?
Parecia ser apenas mais uma prova dos Jogos Olímpicos de Inverno. Lindsey Vonn, com uma curva falhada já no último terço da descida de Super-G tinha sido a grande desilusão, enquanto Anna Veith, austríaca, tinha aproveitado para revalidar o título olímpico conquistado em Sochi, quatro anos antes.
Havia 45 atleta inscritas mas, depois das primeiras vinte terem competido, restavam poucas dúvidas. É sempre assim, na verdade. As melhores surgem logo no início e raramente há grandes alterações na classificação. Por isso mesmo, um pouco por todo o mundo, Veith estava a ser consagrada como campeã olímpica. Sites de desporto tinham a notícia escrita e publicada, estações de televisão até já tinham interrompido a programação para saltar para outra modalidade que estivesse numa fase mais decisiva.
A própria Anna Veith já festejava, entre sorrisos, chamadas telefónicas de familiares e amigos e os parabéns das principais rivais. Estava tudo feito para ser um dia igual a tantos outros até surgir Ester Ledecky, a checa de 22 anos que deslizou pela neve com o dorsal número 26, ziguezagueando entre portas até bater o melhor tempo por um único centésimo de segundo.
Ali, naquele momento, o mundo parou. Como se fossem todos atores pagos a peso de ouro para seguir um enredo e, de repente, alguém tivesse decidido improvisar. «Pensava que o ouro era meu. Para mim foi uma grande surpresa que ela o tenha conseguido fazer. No início, até pensei como é que aquilo era possível», admitiu Anna Veith.
Mesmo Ledecky parecia estupefacta. Quando o ecrã no final da descida confirmou o primeiro lugar, a atleta não esboçou uma única reação. Estava de boca aberta, imóvel, parecendo disputar um gélido jogo do sério com o monitor.
«Fiquei sem reação a tentar perceber o que se tinha passado. Será que era um erro? Pensei que eles fossem acabar por mudar o tempo e decidi esperar enquanto corrigiam a situação. Estava a olhar insistentemente para o quadro mas nada acontecia e estava toda a gente a gritar. Comecei a pensar que aquilo era esquisito», confessou.
As duas faces de Ledecka
Ester Ledecka é um caso especial. Basta pesquisar pelo seu nome no site dos Jogos Olímpicos para perceber que é multifacetada. Surgem duas imagens iguais, dois nomes iguais, dois perfis exatamente idênticos, tirando um mínimo pormenor: a modalidade.
Num, aparece como atleta de esqui alpino. No outro, de snowboard. Na verdade, é neste último em que Ledecky mais se tinha notabilizado nos últimos anos. Em Sochi, por exemplo, ficou em sexto no slalom paralelo e em sétimo no slalom paralelo gigante (na Coreia do Sul só entra em ação na quinta-feira). No currículo até tem dois campeonatos mundiais, ao contrário do esqui alpino, em que só se estreou em provas da Taça do Mundo em 2016.
Mas Ledecka nunca desistiu. E sempre fez questão de conciliar as duas modalidades e deixar pelo caminho todos aqueles que duvidasse de que seria capaz. «Desde o início que muita gente me disse que não podia fazer as duas, que tinha de me especializar ou então não conseguiria atingir o mais alto nível», disse.
«Desde os 14 anos que tenho estas discussões com os meus treinadores sobre o que tenho de fazer e tal. Sempre disse que não, que quero fazer as duas, e que se eles se importassem com isso teria de encontrar outro treinador».
A teimosia valeu a pena. Ledecka tornou-se a primeira atleta na história a conciliar o esqui alpino com o snowboard em Jogos Olímpicos e ofereceu mais uma medalha à família, seguindo as pisadas do avô, jogador de hóquei no gelo, que foi medalha de prata com a Checoslováquia em 1968 e bronze em 1964.
E, como a história tem sempre um pormenor que pode passar em claro à primeira vista, o mais impressionante até pode ser a propriedade dos esquis com que Ledecka garantiu o triunfo. De acordo com o treinador, Tomas Bank, Ledecka testou vários pares durante os treinos e os mais rápidos foram uns que tinham pertencido a Mikaela Shiffrin, o nome mais sonante do esqui alpino atualmente.
Shiffrin abdicou de competir no Super-G devido à sobrecarga do calendário provocada pelos sucessivos adiamentos das provas causados pelo vento mas, de certa forma, conseguiu deixar uma marca no resultado final. E se Anna Veith perdeu o título olímpico por um centésimo, pelo menos continuou a subir ao pódio. Já Lara Gut passou do terceiro para o quarto lugar por causa da proeza de Ledecka… também por um centésimo.
Parafraseando João Pinto, festejos só no fim do jogo. É mais seguro… e menos doloroso. Ou então, basta desconfiar sempre e aproveitar a sabedoria de Ledeck...y, a nadadora que foi uma das primeiras a reagir ao surpreendente título e até já desconfia de uma ligação especial.
That's what Ledecka's do!!! @DanHicksNBC #PyeongChang2018
— Katie Ledecky (@katieledecky) February 17, 2018
Ester, I think we're related, we need to do a DNA test? #CousinsInGold 🇨🇿 https://t.co/2mUradCr4C
— Katie Ledecky (@katieledecky) February 17, 2018