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É Desporto

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30 de Abril, 2020

Estados Unidos. A histórica e controversa derrota com a União Soviética

Especial Jogos Olímpicos (Munique-1972)

Rui Pedro Silva

Final olímpica de 1972

Estavam obrigados a jogar com amadores – como era natural nos Jogos Olímpicos -, mas os Estados Unidos ainda não tinham perdido um único dos 63 encontros disputados no evento. Em 1972, em Munique, depois de chegar a final, a série foi finalmente interrompida, pela União Soviética, num jogo em que as decisões de arbitragem foram alvo da ira norte-americana.

Campeões em todas as edições desde 1936, os Estados Unidos não somavam qualquer derrota em jogos internacionais. Em Munique, parecia que a série ia continuar e os jogos na caminhada até ao encontro decisivo tiveram resultados esclarecedores: 66-35 com a Checoslováquia, 81-55 com a Austrália, 67-48 com Cuba, 61-54 com o Brasil, 96-31 com o Egipto, 72-56 com a Espanha, 99-33 com o Japão e 68-38 com a Itália.

A tensão com a União Soviética era grande. O rival também tinha passeado na fase de grupos e na meia-final, e a componente política não podia ser ignorada, uma vez que se vivia em plena Guerra Fria. Os soviéticos estavam cansados de correr por fora no basquetebol e viam na prova de Munique a oportunidade perfeita, até porque o grupo norte-americano era ainda mais inexperiente do que o habitual.

O jogo esteve sempre equilibrado e os soviéticos foram para o intervalo a vencer 26-21. No segundo tempo, apesar das escaramuças que levaram às expulsões de Dwight Jones e Mikheil Korkia, os norte-americanos recuperaram e foram-se aproximando da liderança, já depois de terem estado em desvantagem por dez pontos. De repente, cresceu a ideia de que poderia acontecer uma surpresa, com os soviéticos a venceram 49-48 e com a bola a sete segundos do fim.

Doug Collins tentou salvar o dia, roubou um passe mal medido e, depois de sofrer uma falta dura, foi para a linha de lance livre com três segundos para jogar e converteu os dois lances livres: o segundo já depois de, inadvertidamente, a campainha ter soado.

O que se seguiu foi uma balbúrdia no Oeste… germânico. O problema com o cronómetro levou a sucessivos protestos de um lado e do outro, permitindo que os soviéticos explorassem a situação perante uma equipa de arbitragem sem saber bem o que fazer.

O primeiro argumento explorava que a equipa tinha pedido um desconto de tempo ainda antes do segundo lance livre, pelo que o relógio não devia ter continuado. Enquanto a mesa dos árbitros era invadida por protestos, os soviéticos tentaram uma jogada desesperada mas o jogo foi interrompido com um segundo por jogar.

Depois de inúmeros argumentos de um lado e do outro, sobre se o desconto de tempo tinha sido efetivamente pedido ou não, os árbitros declararam nula essa requisição. No meio da confusão, decidiram anular por completo a jogada que tinha acontecido depois do segundo lance livre, regressando aos três segundos e dando uma segunda oportunidade aos soviéticos.

No segundo take, e com uma substituição feita à qual os soviéticos não teriam acesso, a confusão prolongou-se. A equipa não conseguiu executar a jogada pensada e ficou sem tempo para lançar ao cesto. Uma vez mais, a campainha soou, só que desta vez toda a gente pensou – jogadores e adeptos – que o jogo teria terminado. O court foi invadido e os norte-americanos começaram a festejar mais um título. Só que… não. Haveria um terceiro take.

Qual foi o argumento desta vez? O cronómetro estava com problemas – assinalava 50 segundos no início da jogada – e era preciso nova tentativa. Mesmo com as ameaças de abandono por parte da equipa técnica dos Estados Unidos, o jogo teve mesmo um terceiro lance nas mesmas circunstâncias. Desta vez, porém, os soviéticos conseguiram fazer a diferença: um passe longo de Edeshko para Alexander Belov, que agarrou a bola perante a oposição de dois adversários e, já sem ninguém a importuná-lo, fez os dois pontos que decidiram o encontro.

O fim do jogo – desta vez mesmo definitivo – gerou mais uma onda de protestos, com o inconformismo norte-americano. Enquanto os soviéticos festejavam, os jogadores e treinadores dos Estados Unidos tentavam argumentar sobre a falsidade de todo o processo, sem sucesso.

A União Soviética conseguiu furar mesmo a hegemonia rival e subiu ao lugar mais alto do pódio. Os protestos oficiais dos Estados Unidos também não valeram de nada, sobretudo perante um painel com maioria de nacionalidades aliadas ao bloco oriental, e abriram caminho para uma derradeira forma de protesto norte-americana. Apenas quatro anos depois de Tommy Smith e John Carlos terem sido criticados por utilizarem a cerimónia dos hinos para expressar descontentamento com os direitos humanos e sociais nos Estados Unidos, a equipa decidiu nem sequer subir ao pódio e, mais do que isso, recusou receber as medalhas de prata mais tarde.

O jogo continua a ser recordado de forma infame entre os norte-americanos. Para os soviéticos, foi mais uma vitória desportiva para vincar uma alegada superioridade política.