Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

É Desporto

É Desporto

10 de Outubro, 2019

Empor Lauter. Quando um clube sai da cidade durante a madrugada

Rui Pedro Silva

Equipa do Empor Lauter

Era a equipa da cidade mais pequena da Oberliga e acabou como vítima natural das tendências obsessivas de reequilibrar o mapa do futebol na RDA. Clube até tinha começado bem a época mas viu a esmagadora maioria dos seus futebolistas partir durante a madrugada com destino a Rostock.

Foram os Baltimore Colts antes mesmo de haver Baltimore Colts. Quem conhece a história da NFL sabe do caso da equipa que foi mudada para Indianápolis durante a madrugada sem prestar esclarecimentos ou justificações aos milhares de adeptos.

Nos Estados Unidos passou-se em 1984. Na República Democrática da Alemanha aconteceu em 1954. Com o Empor Lauter, o clube de uma cidade com apenas oito mil pessoas e que tinha celebrado a subida ao escalão de elite poucos meses antes.

O futebol na Alemanha Oriental demorou a arrancar e, quando o fez, a organização foi alvo de sucessivas reestruturações com o objetivo de tornar o mapa do país mais homogéneo em termos representativos. No momento de tomar decisões, Lauter tornou-se uma vítima inevitável.

Era uma cidade demasiado pequena – a mais pequena da Oberliga – e não podia competir com a importância demográfica e económica de cidades do norte como Rostock. Quando o Empor Lauter venceu o Rotation Babelsberg por 1-0 a 24 de outubro de 1954, poucos desconfiavam o que se iria passar nos dias seguintes.

Apesar de recém-promovido, o clube estava a dar cartas na Oberliga e seguia na segunda posição com cinco vitórias e três derrotas em oito jornadas. Estava a ser a sensação da época futebolística. Mas os interesses do regime não se coadunavam com episódios românticos como este.

Quando o jogo seguinte, com o Motor Zwickau, foi cancelado, a 26 de outubro, cresceu a ideia de que algo estava para acontecer. Os adeptos desconfiaram e começaram a fazer rondas junto à estação ferroviária para garantir que não havia nenhuma fuga. Foram impotentes.

Dois dias depois, às três da madrugada, onze dos 15 jogadores do plantel seguiram rumo a Rostock de comboio. Para eles, jogar em Lauter não era um chamariz assim tão grande e viajaram seduzidos perante as promessas de melhores condições de vida, melhores casas, mais dinheiro e oportunidades de emprego mais diversificadas.

O capitão Walter Espig foi um dos quatro que ficou para trás. Sem equipa, mas com o orgulho intacto e a eterna admiração de uma população incapaz de esquecer os nomes dos traidores. Tanto foi assim que os familiares dos futebolistas que seguiram para Rostock começaram a ser mal tratados em Lauter. Eram ignorados na rua e não tinham qualquer hipótese de ser atendidos nos estabelecimentos comerciais.

Sem clube, Walter Espig acabou por, depois de uma longa batalha com os responsáveis do então Empor Rostock (hoje conhecido por Hansa Rostock), conseguir uma autorização para representar o clube vizinho do Motor Zwickau.

No mesmo período, o BSG Wismut Aue esteve perto de passar pelo mesmo, mas neste caso um grupo de mineiros entrou em ação e ameaçou uma greve indeterminada se ficassem sem equipa pela qual torcer. A união fez a força.