Emmanuel Sanon. O homem que derrubou o recorde de Zoff
Itália não sofria golos há 19 jogos e entrava na fase final do Mundial-1974 como enorme favorita frente à estreante seleção do Haiti. O triunfo não fugiu mas o jovem avançado Emmanuel Sanon entrou para a história do futebol mundial ao bater Dino Zoff aos 46 minutos.
Um convidado inédito
Estudos não existentes por empresas de sondagens que raramente acertam revelam que 85% das pessoas que se dizem adeptas de futebol não sabem que o Haiti esteve presente numa fase final de um Mundial.
O primeiro parágrafo não passa de uma brincadeira mas não deve estar muito longe da verdade. De entre todas as seleções que alguma vez já conseguiram o apuramento para a fase final de um Mundial, o Haiti estará entre as mais desconhecidas, a par com Cuba-1938, Indonésia-1938 (participou como Índias Holandesas) e Kuwait-1982.
Obviamente, o conhecimento de factos como estes são muito geracionais. Quem começou a ver futebol na década de 80 deverá até recordar com carinho a presença de uma seleção tão “exótica” como a do Kuwait, da mesma forma que o Haiti terá o mesmo impacto para quem viu o Mundial-1974.
A fase final disputada na Alemanha (RFA) foi propícia a estreias. Além do Haiti, também a Austrália, o Zaire e a RDA participaram pela primeira vez. À sua maneira, todos tiveram momentos marcantes: a Austrália somou o primeiro ponto (0-0 vs. Chile), a RDA ganhou o duelo mais importante da sua história (1-0 vs. RFA), o Zaire ficou associado ao medo de execução caso sofresse nova goleada com o Brasil como sofreu com a Jugoslávia (9-0) e o Haiti… bom, o Haiti viu um dos seus avançados, Emmanuel Sanon, fazer algo que ninguém conseguia fazer há 19 jogos: marcar um golo a Dino Zoff.
Na estrada para Munique
Os haitianos tiveram na década de 70 a sua geração de ouro. Depois de terem ameaçado o apuramento para o Mundial do México em 1970, onde só terminaram eliminados na última fase por El Salvador, não deram hipótese à concorrência rumo ao Mundial-1974.
No campeonato da CONCACAF disputado em 1973, todo ele em Port-au-Prince, entre novembro e dezembro, os haitianos terminaram na primeira posição com quatro vitórias e apenas uma derrota, no último jogo, frente ao México, quando o apuramento já estava garantido.
Na Alemanha, porém, a história foi radicalmente diferente, mais não seja pela qualidade dos adversários que ficaram integrados no grupo 4: a Itália era vice-campeão mundial, a Argentina estava a lançar as bases para o título de 1978 e a Polónia de Lato viria a terminar a competição na terceira posição, derrotando o Brasil por 1-0.
Para o Haiti, participar poderia ter sido suficiente, mas Emmanuel Sanon tinha outra ideia. O jogo de estreia, em Munique, era com a Itália e, depois de um empate ao intervalo, o avançado adiantou os haitianos logo aos 46 minutos.
Sim, a Itália era mais forte e viria a vencer o jogo por 3-1, mas o jogador do Don Bosco, um pequeno clube haitiano, tinha acabado de pôr fim a uma série de 19 jogos (1143 minutos) da squadra azzurra – e de Dino Zoff – sem sofrer golos.
Marca impressionante
O estilo italiano não enganava ninguém e o pragmatismo era a imagem de marca. Na fase de qualificação, a Itália tinha somado quatro vitórias e dois empates num grupo com Turquia, Suíça e Luxemburgo. Golos sofridos: zero. Desde setembro de 1972, num particular com a Jugoslávia, que os italianos não sofriam qualquer golo.
Se o grupo de qualificação pode ter sido visto como fácil, os italianos também resistiram aos encontros particulares com o Brasil e a Inglaterra (duas vezes). Zero, zero, zero. Dino Zoff mantinha-se insuperável e imitava o registo que tinha com a Juventus, onde chegou a estar 903 minutos sem ser batido.
No Mundial, o objetivo era continuar assim. E o Haiti, um modesto Haiti, não parecia ser grande chatice logo no jogo de abertura. «Nós temos onze bons jogadores… no país inteiro. Polónia, Itália e Argentina devem ter uns quatro mil», reconheciam os haitianos, sabendo que a participação na Alemanha ia limitar-se à primeira fase de grupos.
O momento do choque
A modéstia não se alargava a Emmanuel Sanon. «Vou marcar porque a defesa italiana é demasiado lenta para mim», previu um jovem de 22 anos antes do encontro. E tinha razão.
A abrir a segunda parte, Sanon ultrapassou Spinosi em velocidade, esperou a saída de Dino Zoff, contornou-o pela esquerda e atirou para a baliza deserta com o pé esquerdo, fixando a marca de imbatibilidade do transalpino em 1143 minutos.
«Toda a gente se perguntava quem é que iria marcar um golo a Dino Zoff. Os jornais falavam em europeus e sul-americanos mas ninguém pensou que seria um haitiano a fazê-lo. Isso chateou-me porque eu sabia que conseguiria», disse Sanon.
Dino Zoff manteve-se imperturbável. «Nunca me aborreci com este recorde. Nem deveria, estou a fazer o meu trabalho. Talvez agora me deixem de perguntar sobre este recorde… já não existe», referiu.
Se a ambição coletiva do Haiti estava morta à nascença, Sanon ainda voltou a brilhar na fase de grupos, quando marcou novamente, desta feita à Argentina de Yazalde, que bisou no encontro. A confiança e as boas indicações dadas no Mundial valeram-lhe o salto para o futebol europeu, representando o Beerschot da Bélgica entre 1974 e 1980.
Durante esta aventura, conquistou uma Taça da Bélgica (o último grande título da equipa) e marcou 43 golos em 142 jogos. No entanto, nenhum foi tão importante como aquele marcado a Dino Zoff.