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É Desporto

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25 de Março, 2020

Emil Zatopek. O fiel sucessor de Paavo Nurmi

Especial Jogos Olímpicos (Helsínquia-1952)

Rui Pedro Silva

Emil Zatopek

Checoslovaco conseguiu um feito inédito nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952, ao conquistar a medalha de ouro nas provas dos 5000, dos 10000 metros e da maratona (na primeira vez que correu a prova). Motivado para garantir uma vitória confortável na competição oficiosa com a mulher, homenageou o seu ídolo da melhor maneira.

É praticamente impossível chegar à elite do desporto mundial sem ter referências. Há sempre alguém que ocupa o papel de modelo, de ídolo, de desempenho a imitar. Para Emil Zatopek, nascido na Checoslováquia a 19 de setembro de 1922, essa figura foi Paavo Nurmi. O finlandês tinha conquistado 12 medalhas olímpicas (nove de ouro) durante a década de 20 e era visto como o melhor correr da história.

«Quero ser como Paavo Nurmi! Quero ser como Paavo Nurmi! Quero ser como Paavo Nurmi!». A ideia não saía da mente de Zatopek quando começou a correr. Os feitos lendários do finlandês em Antuérpia, Paris e Amesterdão correram mundo e era ele o exemplo a seguir. E Zatopek demonstrou ter uma perseverança notável. Na estreia olímpica, em Londres-1948, ganhou os 10 000 metros e foi medalha de prata nos 5000. Quatro anos depois, ia reescrever história.

O palco era perfeito e convidava à passagem de testemunho. Em Helsínquia, com Paavo Nurmi a participar na cerimónia de abertura, Emil Zatopek inspirou-se para fazer o que nunca ninguém havia feito até então. E ninguém repetiu – e provavelmente nunca ninguém repetirá – até agora. Ganhar os 5000, os 10 000 e a maratona.

A aventura de Zatopek em terras de Nurmi divide-se, naturalmente, em três atos. Começou pelos 10 000 metros, onde era o crónico favorito, e estabeleceu um recorde olímpico (29:17.0), ganhando com mais de 15 segundos de vantagem sobre o francês Alain Mimoun. O início era perfeito, mas a história estava apenas a começar.

A final dos 5000 metros, disputada quatro dias depois, trouxe o primeiro momento de sofrimento a Zatopek. A concorrência era encabeçada, uma vez mais, por Mimoun, e quatro anos antes o checoslovaco tinha sido incapaz de cruzar a meta na primeira posição. À entrada para a última volta, Zatopek ocupava a quarta posição mas com um parcial de 57 segundos e meio em 400 metros, garantiu nova medalha de ouro e o segundo recorde olímpico (14:06.6).

Tudo apontava que o desempenho de Zatopek tivesse terminado ali. E tinha sido uma semana fantástica para a família. Também a sua mulher, Dana Zatopkova, tinha alcançado a medalha de ouro, precisamente no dia da final dos 5000 metros, mas na prova do lançamento do dardo. O 2-1 não era suficiente. Zatopek queria uma «vitória» mais confortável. «Esta diferença é muito apertada. Para repor o meu prestígio, vou procurar ampliá-la… na maratona», disse a Locomotiva Humana, que nunca tinha corrido a distância na vida.

A prova estava marcada para dia 27 de julho e nessa semana o atleta já tinha corrido vinte quilómetros. Talvez tenha sido o treino perfeito mas uma maratona é sempre uma prova muito específica. Sem saber muito o que fazer, Zatopek decidiu acompanhar o ritmo do britânico Jim Peters, principal candidato à vitória.

O que se seguiu foi um misto de bullying com ingenuidade. «O que achas do ritmo?», perguntou-lhe. Peters disse-lhe que seria para correr mais devagar. Zatopek insistiu, uns quilómetros depois, e voltou à carga, questionando-se se não podiam ir mais depressa.

Exausto, o britânico desistiu. Mas Zatopek manteve a sua passada triunfal rumo ao estádio olímpico, terminando com 2:23:03, com mais de dois minutos de vantagem sobre o argentino Reinaldo Gorno.

Foi o derradeiro momento de glória na carreira olímpica de Emil Zatopek. Um dos melhores de sempre.