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É Desporto

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21 de Fevereiro, 2018

Elizabeth Swaney. A tática de passar pelos intervalos da chuva

Rui Pedro Silva

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À primeira vista, a norte-americana que compete pela Hungria é um embuste. É a atleta que soube explorar uma lacuna do regulamento para se apurar para os Jogos Olímpicos sem fazer uma única manobra digna de registo durante todas as provas de halfpipe (esqui estilo livre) em que participou. Mas, depois de retirada esta camada, percebe-se que há mais em jogo. E até envolve Arnold Schwarzenegger. 

 

Fonte de inspiração

 

«Quero inspirar outros na Hungria e no mundo inteiro a envolverem-se nesta modalidade. Talvez eu seja a ponte para todos os que queiram fazer parte do esqui estilo livre. Quero mostrar-lhes que sim, é possível entrar nesta modalidade, independentemente de onde vierem», afirmou.

 

A motivação de Elizabeth Swaney é tão válida como qualquer outra. Demonstra um forte desejo de servir de exemplo, de servir de inspiração, de servir de transição para quem sonha em ser alguém no desporto. Só tem um problema: Swaney não o faz muito bem. Sim, a atleta conseguiu a qualificação para os Jogos Olímpicos, limitada a 24 atletas, mas apenas por ter acrescentado mais uma palavra ao mote olímpico: espertius.

 

Elizabeth Swaney foi mais esperta. O plano da norte-americana foi delineado ao pormenor e o primeiro capítulo exigia a mudança de nacionalidade. Afinal, a concorrência nos Estados Unidos é fortíssima e dificilmente conseguiria fazer a diferença. Por isso, entre 2013 e 2016 competiu pela Venezuela, o país da mãe.

 

Não era o suficiente. E foi aí que surgiu a Hungria, país dos avós. Na Europa, teria mais fundos e uma facilidade maior para entrar nas contas das quotas olímpicas. E isto porque o que Swaney fazia no halfpipe pouco interessava: o único objetivo era não estragar.

 

Prova atrás de prova – e Swaney insistia em ir mesmo praticamente a todas -, a atleta limitava-se a saltar de um lado e do outro, sem qualquer tipo de manobra, sem correr qualquer risco. O objetivo? Esperar que as adversárias pudessem cair de forma a subir alguns lugares e somar as classificações suficientes que lhe permitissem o apuramento.

 

De resto, jogou com os critérios de qualificação. A número 34 mundial conseguiu estar entre as 24 qualificadas por causa das quotas. Países como Estados Unidos têm limitação de atletas e ajudam a que Swaney suba algumas posições. Depois, também há lesões pelo meio e… já está. PyeongChang está garantido e ao virar da esquina.

 

Prova… amorfa

 

A rotina antes de arrancarpara a prova parecia ser a mesma de qualquer outra atleta. O nervosismo saltava à vista e, após uma breve troca de palavra com o treinador, seguiu caminho. O que se seguiu foi um… silêncio esquisito. Ou melhor, um tom de voz esquisito.

 

Perante salto sem manobra após salto sem manobra, os dois narradores de serviço tentavam encontrar pormenores que merecessem comentário. E foi difícil, tirando uma ligeira manobra, em que Swaney rodopiou ligeiramente sobre si mesma antes de voltar ao mesmo de sempre.

 

 

No final da primeira ronda, até conseguiu estar à frente de duas adversárias mas, terminada a qualificação, o 24.º posto não lhe fugiu. «Não consegui o apuramento para a final por isso estou muito dececionada. Mas trabalhei muito durante os últimos dois anos para conseguir isto», disse.

 

A estratégia provocou críticas e mal-estar um pouco por todo o lado. O desempenho foi viral e gerou duas fações: uma de apoio e admiração pela forma como tinha conseguido jogar com o sistema, outra de crítica pelo desrespeito que era à modalidade e às adversárias.

 

«Quem me critica só me motiva a melhorar. Trabalhei muito para chegar aqui e ser uma das 24 mulheres. Usei isso como motivação», disse.

 

O discurso não comove os dirigentes da modalidade. Tanto assim é que um dos juízes, Steele Spence, já admitiu que a federação está a estudar a alteração do regulamento para que o processo de qualificação seja mais digno.

 

Oportunidades raras

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Esta não foi a primeira vez em que Elizabeth Swaney se envolveu em desafios onde não parece pertencer. Na verdade, a norte-americana de 33 anos é uma desafiadora nata e começou a demonstrá-lo logo na universidade, em Berkeley (Califórnia), no segundo ano de um percurso académico que inclui graus académicos em Política Económica, Alemão e Ciência Política. E, anos mais tarde, um mestrado em imobiliário em Harvard.

 

Estávamos em 2003 e a Califórnia tinha as eleições para governador. Arnold Schwarzenegger procurava a reeleição, que acabou por conseguir com 48,6%, e entre as centenas de adversários que manifestaram interesse estava… Elizabeth Swaney.

 

De acordo com os dados do DC Political Report, a jovem apresentou-se como candidata «write-in» - não faz parte do boletim de voto mas os eleitores têm a possibilidade de escreveu o seu nome – e surgia como… proprietária de um negócio de gelados.

 

Não há dados sobre o número de votos que terá recebido – se é que ela própria votou em si – mas hoje, 15 anos depois, percebe-se que existe um padrão. «Gosto de perseguir oportunidades que são raras», diz.

 

Elizabeth Swaney será agora a culpada pelo desaparecimento futuro de uma oportunidade rara. Aos 33 anos, a recrutadora que trabalha em Silicon Valley e fala inglês, alemão, húngaro e castelhano dificilmente tentará outra graça do género. Mas conseguiu-o uma vez. E foi viral. Se ajudou alguma coisa ou não, logo se verá.