Eddie Edwards. O «louco» que chegou aos Jogos Olímpicos
Britânico tomou a edição de inverno de Calgary, em 1988, de assalto. Sem tradição nos saltos de esqui, conquistou o carinho dos adeptos apesar da última posição. Foi o triunfo do espírito olímpico de alguém que insistiu em conseguir a qualificação e soube da notícia enquanto vivia num... hospital psiquiátrico.
Chegar, ver e… perder
Subiu o enorme trampolim e admirou o mundo que o rodeava. Milhares de pessoas aguardavam o seu salto, o salto de alguém que se tinha tornado uma sensação nos últimos dias apesar de não ter qualquer hipótese sequer de escapar ao último lugar.
Eddie Edwards, com a alcunha de «Eagle» desde que aterrou em Calgary, ajustou os óculos com fundo de garrafa, afinou a proteção, garantiu que o capacete estava na posição desejada e fez-se à pista.
«Não é um enorme salto, em qualquer tipo de perspetiva que se queira. Mas são 71 metros, é um recorde britânico», anunciou o comentador em direto. E era. Não que fosse preciso muito. A Grã-Bretanha não tinha sequer uma equipa olímpica para os saltos de esqui quando Eddie Edwards decidiu apostar nessa modalidade.
A primeira escolha começou por ser o downhill. O objetivo era chegar aos Jogos Olímpicos de Sarajevo mas, no momento da verdade, foi preterido. «Depois disso, ainda fiz mais umas temporadas na Europa, e em 1986 fui para os Estados Unidos e comecei a competir lá. Rapidamente percebi que não conseguiria continuar, porque era muito caro.»
Os saltos de esqui surgiram como uma miragem no fundo do horizonte. Quase que literalmente. Foi num dia assim que, em Lake Placid, palco dos Jogos de 1980, Edwards avistou ao fundo a enorme estrutura. «Fui lá, dei uma vista de olhos e acabei por perceber que a Grã-Bretanha não tinha nenhum saltador», relembra.
Um estranho entre profissionais
Eddie Edwards tinha 22 anos quando começou a treinar nos trampolins e beneficiou dos colegas de modalidade: «A equipa italiana deu-me um novo capacete porque aquele que tinha era muito frágil e às vezes saltava durante os saltos».
A estreia oficial aconteceu no Boxing Day, a 26 de dezembro de 1986, em St. Moritz. Eddie era a novidade e não tinha qualquer experiência mas nem sempre ficava em último: «Não. Havia sempre o mesmo grupo a tentar escapar a isso: eu, um tipo da Holanda, dois espanhóis, dois búlgaros. Sabia que os conseguia derrotar».
Competir entre os melhores era uma coisa, fazê-lo nos Jogos Olímpicos era outra completamente diferente. Mais do que qualquer outra coisa, tinha de continuar a participar em provas, melhorar as suas marcas e dar nas vistas. Para isso, o dinheiro era um bem essencial. Escasso, mas essencial.
«Quando comecei a treinar para os Jogos Olímpicos, percebi que era muito, muito importante poupar todo o dinheiro que conseguia. Todo o dinheiro que ganhava era para ir competir na Europa. A minha mãe emprestava-me o carro dela e em casa trabalhava exatamente o que precisava para pagar o combustível, as portagens e a comida», disse.
Mas não se ficava por aí. «Por onde andava, arranjava pequenos empregos, fosse a servir às mesas, a esfregar o chão, a limpar a neve, cortar a relva, fosse o que fosse. Todo o dinheiro era bem-vindo», contou anos mais tarde.
A carta que o deixou… louco
Qualquer hipótese para treinar entre os melhores era uma oportunidade de ouro para continuar a evoluir. Afinal, onde ele tinha vinte meses de treino, os outros tinham vinte anos. Em 1987, um dos convites envolvia ir estagiar para a Finlândia, junto de Kuopio.
«Um dos treinadores era também um pintor e decorador e estava a trabalhar num hospital psiquiátrico. Eu não tinha dinheiro para pagar alojamento num hotel e perguntámos-lhes se podia ficar lá. Acabei por ficar ali a viver durante quatro semanas e meia», disse.
A rotina era sempre a mesma. Comia, dormia e ia treinar. No meio de tanta azáfama, demorou alguns dias até perceber que estava num hospital psiquiátrico. «Conheci alguns pacientes, sobretudo ao pequeno-almoço, mas eles falavam finlandês, por isso não fazia ideia se estavam a tentar falar comigo ou a falar sozinhos», brinca.
No meio da loucura, também Eddie Edwards foi contagiado quando recebeu uma carta do Comité Olímpico Britânico a confirmar a qualificação para os Jogos Olímpicos no Canadá. «Voltei para Londres para receber o uniforme e voei para os Estados Unidos, onde comecei a treinar com uma equipa norte-americana até ser altura de ir para Calgary», explicou.
A recompensa do trabalho vinha com uma fatura: teve de pedir um empréstimo de mil libras umas semanas antes e quando chegou ao Canadá tinha cerca de sete mil libras em dívidas.
O centro das atenções
Não havia qualquer hipótese de Eddie conquistar uma medalha em Calgary. Zero, nenhuma. Nem sequer sonhar com um lugar de respeito. Para ele, como tantas vezes disse, o objetivo era a participação. Estar ali era a verdadeira medalha de ouro.
A imprensa e os adeptos devoraram a ideia de haver um verdadeiro amador, como o espírito olímpico preconizava, entre os especialistas. Subitamente, a modalidade tinha passado para as primeiras páginas.
«A maior parte dos outros participantes foram fantásticos comigo. Pensavam que era ótimo haver um novo país e também o aumento do mediatismo que a modalidade estava a sentir. Mas havia dois ou três que se achavam os melhores do mundo e sentiam que eles é que tinham de ser o centro das atenções», afirmou.
Naturalmente, foi o último nas duas provas em que participou. Mas o estilo descontraído, às vezes atrapalhado, o discurso bem-disposto e bem-humorado e a personalidade cativante valeram-lhe uma atenção ainda mais especial, tanto que foi destacado individualmente no discurso de encerramento dos Jogos Olímpicos.
As marcas perceberam a oportunidade e, numa semana, revolucionaram o saldo bancário de Eddie The Eagle. As sete mil libras em dívidas transformaram-se em 85 mil libras em contratos de publicidade e presenças em eventos.
O sonho olímpico continuou
Os patrocinadores faziam parte do plano inicial de Eddie. Participar em 1988, chamar a atenção do mundo do desporto, angariar dinheiro em publicidade que lhe permitisse continuar a competir e melhorar o suficiente para repetir as presenças em 1992, 1994, 1998 e 2000.
Eddie Edwards queria fazer uma carreira olímpica, agora com mais condições e capacidade. Mas a federação fechou-lhe as portas. «Quase que fui banido da competição internacional. Disseram-me que não era correto que o último classificado tivesse mais atenção do que o vencedor, disseram-me que estava a tornar a modalidade numa piada.»
As regras de qualificação também foram alteradas. A partir de Calgary, passou a ser obrigatório estar entre os 50 melhores ou ter terminado nos primeiros 30%, o que quer que fosse menor.
Para Edwards, foi a morte do espírito olímpico. «Se me tornei tão popular, foi exatamente porque exemplificava o espírito olímpico. Depois fiquei tão famoso que quase me baniram por causa disso. Achei estranho, não me pareceu muito… olímpico. E tentei continuar da melhor forma possível.»
Repetir a presença nuns Jogos Olímpicos nunca passou de uma miragem. Mas Edwards continuou a melhorar. Antes dos Jogos de 1998, por exemplo, estava a saltar 115 metros no super trampolim, mais 44 do que tinha feito em Calgary.
RPS