Derby County. O sonho europeu morreu em Turim
Foi o período de ouro da equipa do Derbyshire durante uma era em que Brian Clough se estava a afirmar como um dos melhores treinadores na história do futebol inglês. Depois de um inédito campeonato em Inglaterra, os rams atravessaram o Canal da Mancha e brilharam também na Europa. Estiveram a um passo da final da Taça dos Campeões Europeus mas caíram por causa do que aconteceu em Turim, frente aos «batoteiros sacanas» dos italianos.
O Derby County é um dos dois clubes em Inglaterra que têm claramente um a.C e um d.C. Não, não falamos de Cristo, mas sim de Brian Clough. O carismático treinador, com tanto de irascível como de competente, estará para sempre ligado, sobretudo, à forma brilhante como foi campeão inglês e bicampeão europeu no Nottingham Forest, mas foi no Derby County que começou a construir o seu estatuto.
O clube do Derbyshire não era mais do que uma nota de rodapé do futebol inglês quando Brian Clough chegou, acompanhado do seu eterno braço-direito (Peter Taylor), em 1967. O Derby County tinha disputado o escalão principal pela última vez em 1953 e as memórias dos tempos áureos eram cada vez mais distantes.
Com Clough, tudo isso mudou. Pedra sobre pedra, o clube foi cimentando uma imagem cada vez mais forte e garantiu o regresso à elite em 1969. Depois de dois anos a ganhar experiência na primeira divisão, o Derby County foi ainda mais além e sagrou-se campeão nacional, conquistando o primeiro título relevante do palmarés desde a FA Cup em 1946.
Num dos campeonatos mais renhidos na história do futebol europeu, o clube terminou as 42 jornadas com um ponto de vantagem sobre Leeds United, Liverpool e Manchester City, e assegurou uma inédita participação na Taça dos Campeões Europeus.
A Europa era uma experiência nova para Brian Clough. O quarto lugar alcançado em 1970 tinha garantido uma vaga na Taça das Cidades com Feira mas o clube fora banido pela UEFA devido a irregularidades financeiras. Agora, dois anos depois, o objetivo era claro: demonstrar que conseguiam ser tão dominadores e competitivos no Velho Continente como eram nas ilhas britânicas.
O Derby County venceu na estreia (2-0 ao Zeljeznicar) e irrompeu para uma campanha de sucesso, eliminando os jugoslavos de Sarajevo (4-1), Benfica (3-0) e Spartak Trnava (2-1) antes de apanhar a Juventus nas meias-finais da competição. A primeira mão ia ser disputada em Turim.
«A Juventus comprou o árbitro»
Brian Clough nunca teve problemas em dizer o que achava. Era cru, sem contemplações e não hesitava no momento de criticar adversários, treinadores e árbitros. Na noite de 11 de abril de 1973, no dia e que a Juventus bateu o Derby County por 3-1 com a ajuda de um bis de Altafini, o técnico não calou a revolta.
Com o jogo ainda fresco na memória, Clough recusou falar com a imprensa italiana. «Não falo com batoteiros sacanas. Não vou falar com nenhum batoteiro sacana», insistiu, ainda incrédito com o que tinha acabado de presenciar.
A derrota era apenas um dos problemas daquela noite. Archie Gemmill e Roy McFarland, dois dos esteios da equipa do Derby County, tinham visto o amarelo das mãos de alemão Gerhard Schulenberg e estavam de fora da segunda mão. E quem tinha sido visto a visitar o árbitro alemão no balneário ao intervalo? O alemão Helmut Haller, suplente da Juventus.
A qualidade de um plantel com jogadores como Dino Zoff, Fabio Capello ou Roberto Bettega foi relegada para segundo plano. Brian Clough estava inconformado com o que tinha acabado de acontecer. Peter Taylor já tinha sido avisado por Gary Charles, antiga glória da Juventus, que Haller tinha ido visitar Schulenberg antes do jogo, mas depois viu-o com os próprios olhos ao intervalo. O adjunto pediu para ouvir a conversa, garantindo que percebia alemão mas, de acordo com o que escreveu num livro anos mais tarde, acabou por ser atingido nas costelas pelo futebolista e mantido longe por funcionários da Juventus.
O Derby County teve motivos de queixa? As reportagens da altura – as britânicas – revelam uma atitude permissiva do árbitro face às investidas italianas e uma aparente exigência disciplinar perante as respostas inglesas. Se a entrada de Gemill sobre Furino – uma retribuição – pode ser vista como um amarelo, o lance que valeu a suspensão a McFarland é visto como um choque casual de cabeças numa disputa de bola.
Brian Clough, esse, não teve dúvidas. «Não conseguia acreditar em algumas das coisas que os meus olhos estavam a ver em Turim», recordou mais tarde numa autobiografia. «Cheirava mal por todo o lado. Tinha ouvido lendas de suborno, corrupção, de árbitros amigos em Itália, chamem-lhe o que que quiserem, mas nunca tinha visto algo tão claro como naquele jogo. Fiquei fora de mim!», continuou.
«A Juventus comprou o árbitro, não tenho qualquer sombra de dúvida. Fui enganado. O Taylor quase foi preso e dois jogadores foram suspensos por praticamente nada. O que me surpreende mais é que a Juventus era uma equipa suficientemente boa. Tinham o melhor plantel mas talvez tivéssemos atingido a final europeia se o Gemmill e o McFarland tivessem jogado a segunda mão», afirmou.
Novas suspeições, agora com um árbitro português
A eliminatória continuava em aberto, apesar de tudo. Em Inglaterra, o Derby County podia estar em desvantagem e sem dois dos seus melhores talentos, mas a Juventus sabia que não seria fácil. Desta feita, foi o próprio árbitro, o setubalense Francisco Marques Lobo, a revelar que tinha sido abordado pela Juventus.
O árbitro português garantiu ter recebido uma oferta de cinco mil dólares e um carro caso a Juventus ganhasse. A UEFA investigou a acusação e ilibou o clube italiano, garantindo que a proposta tinha sido feita por um mafioso húngaro a agir por contra própria.
As suspeições de Clough nunca se confirmaram oficialmente. E o jogo da segunda mão não foi além de um empate a zero golos, numa arbitragem considerada positiva e sem casos. O Derby County desperdiçou uma grande penalidade e até acabou reduzido a dez, depois de Roger Davies ter agredido um italiano à cabeçada. Clough reconheceu a justiça da decisão.
A Juventus seguiu para a final de Belgrado mas falhou o primeiro título da sua história, permitindo o terceiro triunfo consecutivo do Ajax, graças a um golo solitário de Johnny Rep. A vecchia signora só conseguiu ganhar finalmente em 1985. Por essa altura, já Clough tinha abandonado o Derby County e conquistado duas Taças dos Campeões Europeus com o Nottingham Forest (1979 e 1980), e com Gemmill no plantel no primeiro triunfo.
O Derby County nunca mais voltou a estar tão perto da glória europeia. A equipa foi campeã inglesa novamente em 1975, já sem Brian Clough, mas não foi além da segunda ronda da Taça dos Campeões Europeus em 1975/76. As últimas décadas têm sido marcadas pela irrelevância e na era da Premier League têm apenas sete presenças no escalão máximo.