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É Desporto

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28 de Março, 2018

Danny Ainge. O jogador de basebol que correu para o cesto da vitória

Rui Pedro Silva

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Faltavam sete segundos e os superfavoritos de Notre Dame pareciam ter o lugar na final regional à espera. O atual diretor geral dos Celtics, na altura profissional de basebol pelos Toronto Blue Jays, recebeu a bola, correu de um lado ao outro do campo, contornando adversários como se fossem pinos e ofereceu a vitória a BYU. 

 

Um jogador polivalente

 

Quando Danny Ainge entrou em campo para defrontar os Notre Dame Fighting Irish a 19 de março de 1981, já pertencia aos Toronto Blue Jays desde o draft de 1977. Sim, o atual diretor-geral dos Celtics era um atleta único.

 

Beneficiou de uma regra da NCAA que permitia a um atleta ser profissional noutra modalidade e mostrou sempre uma capacidade especial para dar nas vistas em todos os desportos. Ainda no secundário, por exemplo, foi eleito para as melhores equipas norte-americanas de basebol, basquetebol e futebol americano.

 

Mas não se ficava por aí. Ainge jogava golfe com um handicap de apenas cinco pancadas, tinha um recorde de 227 no bowling, fazia natação, mergulho, jogava gamão, xadrez e a mulher Michelle garante que até as fraldas sabia mudar.

 

Em 1981, não era apenas um jovem. Sim, tinha apenas 22 anos (feitos a 17 de março), mas a sua vida desportiva dava cartas há muito tempo. Entre outubro e março, dedicava-se por completo ao basquetebol universitário em BYU (Brigham Young University, uma universidade do Utah conhecida pelas suas rígidas leis religiosas e com grande presença mórmon). Depois, a partir de abril, era jogador profissional de basebol, com 87 jogos em 1979 e 38 em 1980.

 

Mesmo no basebol, Ainge era polivalente. Foi segunda base, terceira base, shortstop, batedor designado e jogou ainda nas três posições exteriores. Era visto como uma grande esperança na equipa canadiana, que dava os primeiros passos na liga profissional e beneficiava muito com o mediatismo que Ainge oferecia.

 

Um peixe na água

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Quando começou o torneio universitário de 1981, Danny Ainge já tinha feito uma escolha: ser jogador profissional de basebol. Sim, é verdade que já o era há três temporadas, mas ainda tinha a oportunidade de ir para a NBA. Disse que não queria, que o objetivo era mesmo o basebol e, nesse âmbito, assinou um contrato de 500 mil dólares com os Blue Jays que incluía uma cláusula que impedia que fosse para a NBA.

 

A carreira universitária nunca foi um problema para Toronto. E as estritas regras de BYU nunca foram um problema para Ainge, educado como mórmon, fosse a proibição de tabaco, cafeína ou sexo fora do casamento. «Sei que há outros sofrem com isto, conheço gente que sim. Mas desde sempre que esperam que viva uma vida assim, não vi qualquer mudança. É claro que passei por momentos difíceis, como quando tentaram que mascasse tabaco. Disseram que não conseguiria chegar à MLB se não o fizesse. Mas nada disso me incomodou: quando a tua fé é grande, não tens como te preocupar.»

 

Em março de 1981, Ainge estava na última época na universidade e tinha uma ambição muito grande: mostrar a todos que poderia ser um grande jogador de basquetebol. Os números mostraram esse desejo reforçado, com 24,4 pontos, 4,8 ressaltos e quatro assistências de média.

 

Danny Ainge era o corpo e a alma de BYU. Quando ele estava bem, a equipa ganhava. Quando estava desinspirado, tudo se tornava mais complicado. A March Madness não foi exceção: BYU começou por eliminar Princeton, com 21 pontos de Ainge, e depois deixou UCLA para trás, numa exibição fantástica da sua estrela, autora de 37 pontos.

 

Uma corrida para a história

 

Notre Dame foi o terceiro adversário, a 19 de março de 1981, apenas dois dias depois do aniversário de Ainge. BYU não era favorito e dificilmente poderia ter grandes aspirações mas, uma vez mais, a estrela brilhou mais alto.

 

Quando BYU perdia por um ponto com oito segundos para jogar, o treinador nem teve dúvidas. «Sempre que havia dificuldades, a ideia era meter a bola nas mãos de Ainge. Grande liderança, hein?», disse o treinador Frank Arnold.

 

A verdade é que Ainge correspondia. Ali, naquele momento, recebeu a bola de Timo Saarelainen, e partiu numa corrida desenfreada rumo à outra tabela. Pelo caminho, driblou para a direita, fez a bola passar por trás das costas, driblou para a esquerda, deixou quatro adversários para trás e fez um lançamento subtil por cima da oposição do quinto. E ainda deixou dois segundos no relógio.

 

«Só queria continuar a correr ate que alguém me parasse ou que sentisse que estava próximo o suficiente para fazer um bom lançamento», disse Ainge no final. Por essa altura, os Blue Jays já estavam na pré-época mas o jogador não parecia muito interessado em juntar-se ao plantel durante a preparação: «Espero que nunca vá. Será sinal que vamos atingir a final four».

 

Não atingiu. O poder de Danny Ainge tinha limites e na final regional, contra Virginia, BYU não teve argumentos e acabou a perder por 14 pontos (60-74). Era o final de uma época brilhante para Ainge, coroada com a distinção de melhor jogador universitário de basquetebol da temporada.

 

Dar o dito por não dito

 

O torneio de 1981 deveria ter sido a despedida de Danny Ainge do basquetebol. O basebol era a etapa seguinte, com caráter exclusivo, mas o jogador ainda foi passar uma semana de férias com a mulher em Nova Iorque antes de se juntar aos Blue Jays.

 

No entanto, já nessa altura, deixava um recado à sua enorme vontade de provar que não tinha limites. «Já falhei em coisas antes. Acho que falhei no basebol durante os últimos três anos. Estabeleci objetivos para mim e não os consegui cumprir. Se continuar a falhar talvez tente outra coisa. Basquetebol? Provavelmente. Não sei se essa opção continuará a existir para mim, espero que sim. Mas, para ser sincero, raramente penso no fracasso. Não deixo que entre na minha mente.»

 

A carreira de Danny Ainge no basebol parecia destinada ao fracasso, dizem os especialistas. Os Blue Jays queriam tanto rentabilizar a imagem do jogador que nunca lhe deram condições para poder evoluir normalmente. Em 1981, por exemplo, fez logo o primeiro jogo da temporada como titular, apenas 18 dias depois da derrota com Virginia.

 

A cláusula do contrato era clara, mas mesmo assim os Celtics decidiram arriscar e selecioná-lo na 31.ª opção do draft de 1981. Ainge roeu a corda. Quis ir para a NBA e semeou um conflito entre Boston e Toronto que só terminou no tribunal, com o pagamento compensatório de 500 mil dólares.

 

Para Ainge, foi tudo perfeito. Assinou um contrato de 1,5 milhões de dólares válido por cinco anos e iniciou uma carreira que seria coroada com dois títulos de campeão como jogador e um como diretor geral.

 

1981 foi o ano mais especial. Foi o ano em que mostrou que era capaz de tudo e mais alguma coisa. Foi o ano em que conseguiu acumular um hit no estádio dos Yankees, um triplo no pavilhão dos Celtics e uma jogada individual que derrubou Notre Dame e ofereceu a primeira presença numa final regional a BYU.