CSKA-Levski. Uma batalha campal que afetou Stoichkov... FC Porto e Benfica
Ambiente quente da final da Taça da Bulgária em 1985 teve agressões durante o jogo e acabou com uma batalha campal a caminho dos balneários. Partido Comunista búlgaro obrigou os clubes a mudar de nome, cinco jogadores foram inicialmente banidos para sempre (um adolescente chamado Stoichkov incluído) e Spasov e Nikolov viram ruir o pré-acordo com o FC Porto.
Um dérbi com a tensão no máximo
O campeonato ainda não tinha acabado mas o Levski já era tricampeão. A diferença entre as duas equipas era grande: o CSKA estava a fazer a transição de uma época dourada e o grande rival aproveitara para garantir a hegemonia do futebol búlgaro. Nos dérbis, com sete triunfos consecutivos, a supremacia era reforçada.
A final da Taça a 19 de junho de 1985 foi vivida com intensidade máxima. O futebol continuava a ter uma enorme importância na afirmação do Partido Comunista búlgaro e os ministérios da Defesa (associado ao CSKA) e dos Assuntos Internos (Levski) não quiseram perder a oportunidade para reforçar o poder através da conquista de um título.
O contexto internacional também foi importante. A tragédia de Heysel estava fresca na memória de todos – acontecera três semanas antes – e havia uma preocupação com a segurança do público, sobretudo de forma a evitar confrontos com os grupos de adeptos mais radicais do Levski.
As esperanças de uma final calma morreram aos 26 minutos com o primeiro golo do jogo, quando Georgi Slavkov controlou a bola com a mão esquerda no início do lance e o árbitro Asparuh Yasenov nada assinalou.
Uma final descontrolada
A decisão provocou grande agitação nas hostes do Levski mas os verdadeiros problemas só surgiram na segunda parte, já depois de Voynov, futuro jogador de Portimonense, Estoril e Estrela da Amadora, fazer o 2-0 num livre direto.
A confusão começou precisamente com Voynov e uma queda dentro da grande área. Yasenov não teve dúvidas, assinalou grande penalidade e o desespero do Levski subiu de tom, sobretudo graças a Borislav Mihaylov, que mais tarde passou pelo Belenenses. O guarda-redes saiu furioso da baliza em direção ao árbitro e empurrou-o por duas vezes, escapando à expulsão.
O penálti de Slavkov foi defendido mas o controlo tinha sido perdido definitivamente. Minutos depois, Plamen Nikolov enviou Radoslav Zdravkov para o hospital após uma agressão.
O cúmulo, durante o jogo, chegou a doze minutos do fim quando Yanchev teve uma entrada dura sobre Spasov, médio criativo do Levski. Experiente e com uma folha disciplinar imaculada na carreira, o jogador reagiu a quente e agarrou o adversário pelo pescoço. Hristo Stoichkov, na altura um adolescente de 19 anos, não gostou do que viu e retribuiu, apertando o pescoço de Spasov, escapando, ao contrário dos outros dois jogadores, à expulsão.
Com as duas equipas cada vez mais nervosas, o árbitro voltou a ser protagonista, marcando outra grande penalidade duvidosa, desta vez a favor do Levski, que Sirakov não desperdiçou.
Apito para a desgraça
Quando Yasenov assinalou o final do jogo, podia pensar-se que o pior já tinha passado. Puro engano. «Depois do apito, Yasenov foi rodeado de jogadores do Levski, entre eles Mihaylov e Sirakov. Insultaram-no, ameaçaram-no e empurraram-no», diz Stoichkov na sua biografia. O maior problema foi, ainda assim, as agressões entre jogadores que não foram captadas pela transmissão televisiva, a caminho dos balneários.
Os acontecimentos levaram o Partido Comunista a reunir-se de urgência apenas dois dias depois. «O que aconteceu na final da Taça da Bulgária a 19 de junho foi um espetáculo indigno. As manifestações de vandalismo protagonizadas pelas duas equipas supõem uma violação das normas elementares da moral desportiva socialista. Trata-se de uma provocação brutal ao desejo da opinião pública de pôr fim aos fenómenos inaceitáveis no futebol búlgaro», justificaram.
As sanções foram pesadíssimas: o Levski perdeu o título de campeão, o vencedor da Taça foi anulado e os dois clubes foram obrigados a mudar de nome (Levski para Vitosha e CSKA para Sredets). Os jogadores também não escaparam e Borislav Mihaylov, Plamen Nikolov, Emil Spasov, Emil Velev e Hristo Stoichkov foram banidos para a vida, enquanto Nasko Sirakov foi suspenso por um ano.
«Senti que tinha sido morto. Não sei por que me castigaram, provavelmente porque era o mais novo. Podiam ter-me destruído», comentou Stoichkov. No caso de Spasov e Nikolov, ambos do Levski, a transferência que estava pré-acordada com o FC Porto caiu por terra.
«Tinha 30 anos na altura e o castigo foi um grande revés. Vivi em choque durante um mês. Cheguei a tentar falar com membros influentes do partido para me deixarem ir para o FC Porto mas não consegui», lamentou Spasov.
Repercussões também afetaram o Benfica
O FC Porto não foi a única equipa a ser diretamente afetada pelas decisões na Bulgária. Com as sanções a Levski e CSKA, a participação nas provas europeias no ano seguinte teve de ser ajustada. O terceiro classificado do campeonato, o atual Botev Plovdiv, foi para a Taça dos Campeões Europeus, enquanto a Taça das Taças ficou sem representante.
A ausência de uma equipa búlgara, aliada à suspensão aplicada aos clubes ingleses na sequência da tragédia de Heysel, fez com que houvesse apenas 31 equipas na primeira eliminatória. Uma equipa ficaria isenta, com apuramento garantido para a segunda ronda, e o brinde saiu ao Benfica.
As decisões do Partido Comunista búlgaro começaram a ser postas em causa com o desenrolar da temporada, sobretudo com o aproximar do Mundial do México. Passar uma boa imagem era fundamental e, com seis meses decorridos, os jogadores viram os seus castigos reduzidos e voltaram à atividade. Os nomes dos clubes e os títulos conquistados só foram recuperados a 10 de novembro de 1989.
«É um jogo de má memória para mim. Continuo sem ter a certeza se o Slaskov usou a mão, mas depois disso tudo correu mal e a tensão foi enorme. Acho que o meu único grande erro foi não ter expulsado o Mihaylov», disse o árbitro anos mais tarde.
Influência no futebol português
O FC Porto ficou sem dois reforços e o Benfica ficou isento na Taça das Taças mas a ligação entre a final de 1985 e o campeonato português foi crescendo com o passar dos anos.
Dos 26 jogadores que disputaram o jogo, dez acabaram por alinhar por equipas portuguesas. Do lado do CSKA, Krasimir Besinksi (Portimonense), Radoslav Zdravkov (Chaves, Sp. Braga, P. Ferreira e Felgueiras), Iliya Voynov (Portimonense, Estoril e Estrela da Amadora), Georgi Slavkov (Chaves) e Lachezar Tanev (Chaves); do lado do Levski, Borislav Mihaylov (Belenenses), Antoni Zdravkov (Marítimo, Nacional e Benfica e Castelo Branco) e Petar Petrov (Beira-Mar).