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É Desporto

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24 de Maio, 2018

Coreia do Norte-1966. Um sonho que esbarrou em Eusébio

Rui Pedro Silva

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Ninguém os conhecia e a organização até fez figas para que a seleção não carimbasse o apuramento. Pressão da FIFA obrigou Inglaterra a conceder vistos aos jogadores e em poucas semanas os norte-coreanos seduziram o país do futebol. Middlesbrough ficou completamente rendida e foram milhares os que viajaram até Liverpool para apoiar no jogo com Portugal. 

 

Do anonimato para a idolatria

 

Estamos em 2018 e o nosso conhecimento sobre a Coreia do Norte continua a ser muito escasso. Mesmo no futebol, quando a seleção garantiu o apuramento para o Mundial em 2010, na África do Sul, incógnito foi a palavra de ordem quando se abordava o futuro adversário de Portugal.

 

Em 1966, quando a era digital não passava de um sonho distante, e o país asiático já era uma fortaleza muralhada ao nível da diplomacia, o cenário era ainda pior. Um eventual apuramento da Coreia do Norte para o Mundial de Inglaterra era um pesadelo para o anfitrião, mais não seja porque o país nem sequer era reconhecido oficialmente.

 

Os problemas diplomáticos seriam evitados se a seleção falhasse o apuramento mas a sanção da FIFA à África do Sul, por causa do apartheid, e o consequente protesto global das equipas africanas pela perda de um lugar garantido, abriu caminho para uma qualificação mais fácil.

 

Mas houve mais. O cenário era simples: Coreia do Norte, Coreia do Sul e Austrália iam fazer um torneio triangular no Japão para definir quem ocuparia a 16.ª vaga na competição. Porém, quando os jogos passaram para o Cambodja, os sul-coreanos abdicaram e deixaram o apuramento à mercê dos vizinhos.

 

Num espaço de quatro dias, de 21 a 25 de novembro, os norte-coreanos não deram hipótese aos socceroos. Primeiro, golearam por 6-1, com Doo-ik Pak a abrir caminho para o triunfo, depois somaram novo triunfo, desta feita por 3-1. Já não havia dúvida: a Coreia do Norte ia mesmo ao Mundial.

 

Pesadelo para a organização 

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A Coreia do Norte em Inglaterra seria um elefante demasiado grande para ignorar e os responsáveis hesitaram na forma de atuação. Recusar os vistos de entrada podia matar o problema à nascença mas faria com que muitos outros viessem à baila, especialmente depois das ameaças da FIFA de alterar o local da prova se todas as seleções não fossem tratadas da mesma forma.

 

Depois, haveria ainda outros pormenores, como a forma como a Coreia do Norte seria referida, se teriam direito a ter a sua bandeira desfraldada ou se haveria espaço para o hino do país. Indiferentes a isto, os norte-coreanos, que desconheciam tanto o resto do mundo como o resto do mundo desconhecia a Coreia do Norte, viajaram para Inglaterra com um único propósito: jogar futebol.

 

A Coreia do Norte ficou integrada no grupo 4, com União Soviética, Chile e Itália, e decidiu assentar arraiais em Middlesbrough, onde iria disputar os três jogos. Depois de começar a conquistar os ingleses logo na viagem de comboio entre Londres e a cidade do norte de Inglaterra, não demorou muito tempo até conquistar os próprios locais.

 

Com o centro de treino numa espécie de CUF inglesa, eram muitos os trabalhadores que aproveitavam a oportunidade para descobrir mais sobre os norte-coreanos. A velocidade com que treinavam, o ritmo frenético e a vertigem ofensiva foram os ingredientes que faltavam para que a própria cidade começasse a torcer pela Coreia do Norte. Isso e o facto de equiparem de vermelho, como o próprio Middlesbrough.

 

Uma campanha em crescendo

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A diplomacia fora de campo de nada valeria se os resultados no relvado não acompanhassem. Depois da derrota sofrida com a União Soviética a abrir (0-3), o cenário não ficou muito favorável – apesar de ser essa a expetativa – mas um golo de Seung-zin Pak aos 88 minutos do jogo com o Chile, que garantiu o empate, abriu caminho para que houvesse uma rota direta para o sonho.

 

Na última jornada, para garantir o apuramento para os quartos de final, era preciso derrotar a fortíssima Itália, baseada nos jogadores de Inter e Milan, clubes que se assumiam como os melhores da Europa e que faziam a diferença na Taça dos Campeões Europeus.

 

Por esta altura já muitos dos habitantes locais estavam rendidos à Coreia do Norte, mas só quando Doo-ik Pak marcou aos 42 minutos é que se percebeu perfeitamente a dimensão do fenómeno. «Todos tinham ido ao estádio para ver a classe italiana mas o jogo mudou-lhes a opinião quando Doo-ik Pak marcou um grande golo. O estádio explodiu, não podia acreditar no que estava a ver. A partir daí adotámo-los e nunca mais parámos de falar deles», recordou Neville Nichols, um adepto inglês.

 

A diplomacia e a paz no futebol

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O momento também foi marcante para Pak. «Foi o dia em que aprendi que o futebol não era apenas sobre ganhar. Quando marquei aquele golo, a população de Middlesbrough acolheu-nos nos seus corações. Aprendi que jogar futebol pode melhorar as relações diplomáticas e promover a paz», disse.

 

A presença nos quartos de final já seria um grande prémio mas a Coreia do Norte acreditava ser possível fazer algo mais e contagiou a cidade. Tanto que, de acordo com os relatos, houve 3000 adeptos a fazerem a viagem até Liverpool para assistir ao duelo com Portugal no Goodison Park.

 

O sonho parecia intocável. 1-0, 2-0, 3-0 nos primeiros minutos mas depois… apareceu Eusébio. É o lado da história que todos os portugueses conhecem. Uma reviravolta que entrou na história do futebol mundial, que catapultou Eusébio ainda mais para o estrelato e que foi, durante muito tempo, a melhor campanha de uma seleção portuguesa. Um momento único e, ao mesmo tempo, o fim da linha para a Coreia do Norte.