Cláudia Vasconcelos. A primeira árbitra num Mundial
Guangzhou, 29 de novembro de 1991. O penúltimo jogo do primeiro Mundial de futebol feminino da história da FIFA tem reservada uma surpresa: o jogo de atribuição do terceiro lugar, entre Suécia e Alemanha, será arbitrado por uma mulher, a brasileira Cláudia Vasconcelos. Mais: toda a equipa será feminina, com Linda May Black (Nova Zelândia) e Xiudi Zuo (China) a comporem o trio.
O momento histórico para Cláudia Vasconcelos começou a desenhar-se em 1983, quando estava a tirar o curso de Educação Física na faculdade e reparou que ia haver a primeira formação para árbitras. «Achei que era um caminho para chegar ao mundo de futebol. Sempre gostei de futebol, desde a infância, e o meu desejo era ser treinadora», contou em 2014 numa entrevista conduzida pelo investigador Igor Chagas Monteiro para o Projeto Garimpando Memórias do Centro de Memória do Esporte.
Cláudia nunca tinha sido atleta mas desde pequena que via futebol em casa com a família. Ali, naquele momento, sem perceber, começou a desbravar caminho para se tornar uma pioneira do futebol feminino. O início, como sempre, foi tremido.
O curso tinha sido criado porque os homens não queriam apitar futebol feminino, «que era um futebol pessimamente jogado» e que estava a dar os primeiros passos no Brasil. Mas, durante a formação, Cláudia Vasconcelos teve de passar por vários infernos. «Arbitrava nos lugares mais escabrosos, sem segurança nenhuma, campos sem proteção», recordou, reforçando que o Brasil era um país muito machista e que não via com bons olhos a existência de mulheres como árbitras.
Oito anos depois, a organização do primeiro Mundial de futebol feminino abriu a porta às mulheres… com bola e com apito. «Queriam levar árbitras como teste, para saberem se realmente podiam criar um quadro de arbitragem. Então resolveram levar as melhores seis do mundo. Fizeram uma pesquisa por todo o mundo e do Brasil escolheram-me a mim», contou Cláudia.
O relatório técnico da FIFA não deixa dúvidas: «A decisão de nomear mulheres para equipas de arbitragem demonstra o caminho que já foi feito pelas senhoras de preto nesta carreira. Os números são otimistas: 26 candidatas foram apontadas pelas respetivas associações para ocupar as seis vagas criadas».
Cláudia Vasconcelos era uma e deu logo nas vistas no jogo de abertura, entre China e Noruega, fazendo com a mexicana Maria Herrera Garcia a dupla de árbitras assistentes. Mas também havia a chinesa Xiudi Zuo, a alemã Gertrud Regus, a sueca Ingrid Jonsson, e a neozelandesa Linda May Black.
«A intenção da FIFA era que fôssemos apenas para árbitras assistentes. Até porque não nos conheciam. Não conheciam o nosso trabalho. Durante a semana de preparação, fizemos treinos, testes físicos, reuniões para conhecimento do regulamento do campeonato… e eles ficaram muito satisfeitos com o desempenho das árbitras. Depois do primeiro jogo, o presidente do Comité de Arbitragem, David Will, confessou que a FIFA tinha resolvido inovar e que ia pôr uma das seis a arbitrar um jogo de atribuição do terceiro lugar.»
«Todas nós tivemos uma motivação a mais no campeonato», afirmou Cláudia, que acabou por ser a escolhida. «Foi uma responsabilidade muito grande. Um dos membros da Comissão de Arbitragem da FIFA disse-me que o futuro da arbitragem feminina dependia da minha atuação naquele momento», acrescentou.
O balanço daquele Suécia-Alemanha foi positivo e o relatório técnico comprova-o: «Cláudia Vasconcelos fez o trabalho de forma competente». Porém, David Will não quis abrir muito o jogo sobre o que seria o futuro, reforçando que era cedo para retirar conclusões. «As seis árbitras representaram bem as mulheres e mantiveram a possibilidade de haver novas oportunidades nos próximos anos», afirmou.
O futuro confirmou que o sucesso da arbitragem feminina estava destinado. Em 1995, Cláudia Vasconcelos integrou o primeiro grupo de mulheres árbitras da FIFA e assim se manteve até terminar a carreira, em 2000.