Chris Webber. O maldito desconto de tempo que não existia
Estrela dos Michigan Wolverines congelou e cometeu o erro que todos sabiam que não podia existir. Equipa perdeu final do basquetebol universitário pelo segundo ano consecutivo e poste fez tudo para apagar o momento da sua memória. Na altura, até o presidente Bill Clinton escreveu uma carta para apoiar a futura estrela da NBA.
Uma traição inesperada
Eram conhecidos por Fab Five. Jimmy King, Jalen Rose, Chris Webber, Juwan Howard e Ray Jackson fizeram dos Michigan Wolverines uma das equipas mais entusiasmantes do basquetebol universitário e alcançaram duas finais consecutivas. Em 1992, perderam no prolongamento contra Duke, apenas por um ponto, num jogo em que Chris Webber registou 14 pontos e 11 ressaltos. Um ano depois, em Nova Orleães, a equipa orientada por Steve Fisher tinha o dobro da motivação quando partiu para o confronto com os North Carolina Tar Heels.
Uma vez mais, Chris Webber era a estrela da equipa, o pêndulo que servia de orientação ao grupo. A referência para onde seguiam quando nada do resto parecia resultar. E, na verdade, pouco resultou naquele jogo. Os Tar Heels estavam mais inspirados e chegaram a vinte segundos do fim a vencer 72-71.
Foi quando Pat Sullivan sofreu uma falta e foi para a linha de lance livre. Converteu o primeiro, falhou o segundo e deu origem a um dos momentos mais memoráveis na história do basquetebol universitário. Chris Webber conquistou o ressalto, o seu 11.º do encontro, e os adeptos dos Wolverines sentiram que tinham uma oportunidade de conquistar o título.
A sequência que se seguiu demonstrou que tudo não foi mais do que uma miragem. A linha de passe para Jalen Rose foi bloqueada por um adversário e Webber entrou em pânico. Para começar, cometeu passos mas teve a sorte de nenhum dos árbitros estar atento. O pior veio depois. «Viu que ia ser bloqueado e alvo de marcação dupla e pareceu um veado com máximos nos olhos. Entrou em pânico e foi para um canto», disse Rob Pelinka, colega de equipa e atual diretor-geral dos Lakers.
No meio do pânico, Chris Webber pediu um desconto de tempo. Uma atitude natural numa situação destas, com uma exceção: quando já estão esgotados. A ação da estrela da equipa custou uma falta técnica, a posse de bola e... a final.
Sensação de incredulidade
A linguagem corporal de Chris Webber mudou radicalmente a partir do momento em que percebeu o que tinha acabado de fazer. De veado encadeado transformou-se em cachorro abandonado.
O olhar perdera-se. O jogo ainda não tinha terminado mas nunca mais viria a recuperar. A festa dos Tar Heels estava apenas a começar mas a figura dos Wolverines estava já a caminho de um longo calvário. Os colegas de equipa e o treinador também não queriam acreditar no que tinha acabado de acontecer, sobretudo porque tinha sido algo muito debatido apenas alguns segundos antes.
«Há coisas estranhas que acontecem neste torneio», disse o treinador Steve Fisher. «Tínhamos falado no nosso último desconto de tempo [a 46 segundos do fim] que não tínhamos mais nenhum. Mas o Chris diz que pensa ter ouvido alguém a gritar desconto de tempo e decidiu parar.» «Todos sabíamos que estávamos sem descontos. Tínhamos falado disso no último desconto de tempo. O que senti foi, acima de tudo, negação pelo que se tinha passado», recordou Jalen Rose.
A ideia para uma última jogada tinha sido vista e revista vezes sem conta durante a temporada, e novamente no último desconto de tempo, garante Jalen Rose: «Toda a gente sabe como é. O Chris ganha o ressalto, passa-me, eu atravesso o court e tento o triplo na sequência de um “pick and roll”. Se eles fecharem esse espaço, passo ao Chris para ele tentar o lançamento. Se ele estiver marcado, pode passar para o Jimmy King ou para o Rob Pelinka, que estão nos cantos. É a nossa jogada».
Não foi isso que Webber fez. Pelo contrário. Sentiu-se culpado, responsável pela derrota, apesar dos 23 pontos e 11 ressaltos e de ter sido, de longe, o melhor jogador dos Wolverines e único fator para que a equipa ainda estivesse na disputa pelo título naquela altura.
O pior ainda estava para vir: era preciso ir à conferência de imprensa. «Tu consegues fazer isto. Vamos juntos», disse-lhe Juwan Howard. E ali, pela primeira e última vez, respondeu às perguntas dos jornalistas sobre o que se tinha passado. «As pessoas nunca se lembram que ele fez isso», recordou Howard. «Sentou-se ali, poucos minutos depois do pior momento da vida dele, e respondeu às perguntas. As pessoas criticam-no por nunca ter abordado o assunto, mas não é verdade. Fê-lo logo naquela noite.»
Tentar apagar o passado
Chris Webber partiu numa caminhada com o objetivo de esquecer o que se tinha passado e agir como se nunca tivesse acontecido. Por todo o país, o lance entrou na memória coletiva. E para Dean Smith, treinador dos Tar Heels, o segundo título da sua carreira voltava a acontecer em circunstâncias muito especiais.
Onze anos antes, em 1982, North Carolina tinha aproveitado um passe completamente despropositado, intercetado por James Worthy, para garantir o triunfo no último lance, poucos segundos depois do lançamento de Michael Jordan. Agora, havia um novo erro de um adversário a fazer a diferença.
Dean Smith tentou proteger o seu legado logo a seguir ao jogo e, de certa forma, defender Chris Webber. «Não acho que aquele erro tenha custado necessariamente a vitória a Michigan. Tínhamos três faltas para fazer e íamos utilizá-las para comer o tempo que faltava no relógio», disse.
Nada disso importou para Chris Webber. Ele sabia o que se tinha passado. O jogador estava tão desonsolado que a viagem de regresso da equipa no autocarro contou com a presença da mãe. «O choro de Chris foi o único som que se ouviu durante todo o caminho até ao hotel», disse Jalen Rose.
As mensagens de conforto chegaram de todo o lado, até da Casa Branca. Bill Clinton escreveu-lhe uma carta a dizer que ainda não tinha conseguido parar de pensar nele. «Sei que não há nada que eu ou qualquer outra pessoa possa dizer para atenuar a dor e a desilusão do que se passou», começou por escrever.
«Tu e a tua equipa foram incríveis. E parte de jogar com grandes objetivos sob grande pressão é o risco constante de cometer erros mentais. Eu sei. Perdi duas corridas políticas e cometi inúmeros erros durante os últimos vinte anos. O que interessa é a intensidade, a integridade e a coragem que imprimes no teu esforço. Foi certamente isso que fizeste. Podes sempre arrepender-te do que aconteceu mas não deixes que te afete ou que tire a satisfação de tudo o que alcançaste», continuou, prevendo um grande futuro para Chris Webber.
O futuro foi, de facto, brilhante. Chris Webber foi a primeira escolha do draft em 1993 (Golden State Warriors) e esteve na NBA até 2008. Representou ainda os Washington Bullets, os Sacramento Kings, os Philadelphia 76ers e os Detroit Pistons. Foi considerado rookie do ano, chegou cinco vezes ao all-star game e tem o número da sua camisola retirado nos Sacramento Kings. Só nunca ganhou um título.
Ao todo, registou médias de 20,7 pontos, 10 ressaltos e 4,2 assistências na NBA. E nunca mais pensou nas finais com os Michigan Wolverines, chegando ao ponto de se afastar dos seus antigos colegas de equipa. «Ele quis dissociar-se daquele momento e da universidade. Quis reconstruir as suas memórias e pensar que a carreira só tinha começado mesmo no ano de rookie na NBA», explicou Jalen Rose.
Pelo meio, houve uma vez, logo em 1995, que Chris Webber abriu um pouco o livro e comentou como se tinha sentido naquela altura. Numa conferência em que estava ao lado da campeã olímpica Jackie Joyner-Kersee, o basquetebolista confessou a importância que uma carta dela tinha tido.
«Foi uma das alturas mais difíceis da minha vida e andei escondido durante duas semanas. Até que recebi umas flores com uma carta, a dizer que Deus estava comigo, para eu manter as forças. Era de Jackie Joyner-Kersee. Aos meus olhos, e não apenas pela capacidade atlética, és uma heroína. Sem isso, não sei se não iria querer desistir ou se chegaria tão longe», disse.