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É Desporto

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14 de Fevereiro, 2018

Chloe Kim. Tão natural como a sua fome

Rui Pedro Silva

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Adolescente de 17 anos dominou a prova olímpica de halfpipe sem qualquer dificuldade. Pelo meio, foi revelando os seus hábitos e vontades alimentares nas redes sociais. 

 

Fome de vitórias… e não só

 

Nasceu nos Estados Unidos mas é filha de pais sul-coreanos. Cresceu na Califórnia e começou a praticar snowboard com quatro anos mas foi para a Suíça durante dois, aos oito, para treinar e dar mais um grande salto qualitativo nas suas capacidades.

 

Em 2014, quando participou nos Winter X Games em Aspen pela primeira vez, tinha apenas 13 anos. Mas a idade pouco importava. Chloe Kim era um talento a afirmar-se e o ano de nascimento (2000) não era mais do que um pormenor sem importância rumo à medalha de prata.

 

Ou melhor, até tinha alguma importância. Podia participar nos Winter X Games mas não tinha idade suficiente para ir aos Jogos Olímpicos de Sochi. Por isso, durante os quatro anos seguintes, Chloe dedicou-se a ser cada vez mais como uma figura incontornável do snowboard, aumentando a fome de vitórias e acumulando medalhas nos Winter X Games: ouro em 2015, 2016 e 2018, e bronze em 2017.

 

À chegada aos Jogos Olímpicos de PyeongChang, Chloe Kim estava no ponto. Tinha uma confiança brutal e sentia que a vitória dependia apenas de si. Para ela, habituada a estar em grandes competições desde muito jovem, estes últimos dias foram apenas mais uns. E o frio que alguns estreantes podem sentir na barriga nos dias das grandes provas não passa de fome no caso de Chloe.

 

Desejos de gelado

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A primeira referência a comida na conta de twitter de Chloe Kim chegou a 11 de fevereiro, momentos depois de dizer que estava muito nervosa. «Ah, e também comi dois churros hoje. Estavam mesmo bons, por isso se alguma vez estiverem nervosos, vão comer um churro», escreveu.

 

Depois, durante a qualificação, voltou a atacar. Na primeira atuação, conseguiu uma pontuação de 91,50 pontos e assumiu o primeiro lugar. Mas não estava satisfeita. «Era mesmo capaz de comer um gelado agora», escreveu, num pequeno espaço entre rondas que deixou alguns utilizadores da rede social com dúvidas. «Mas não estás a competir neste momento», atirou um, apenas para receber uma resposta seca, «Sim…», como quem diz «e o que é que uma coisa tem a ver com a outra?».

 

A verdade é que a manifestação de fome e a atividade nas redes sociais não tiveram qualquer efeito, pelo menos negativo, no desempenho da norte-americana, que elevou a fasquia e somou 95,50 pontos, garantindo um lugar na final com a melhor classificação.

 

Por esta altura, já as vontades alimentares de Kim eram virais nas redes sociais e levavam a NBC a criar um questionário sobre qual seria o sabor de gelado mais adequado para a atleta. A própria deixou uma resposta: «Cookies & Cream é bem bom. Se alguém me puder vir trazer à aldeia olímpica, era bem fixe». 

 

A fome voltou a atacar

 

No dia da final, como não podia deixar de ser, Chloe Kim voltou a atacar durante a prova. Desta vez, no entanto, não foi para dizer o que lhe apetecia comer mas para mostrar arrependimento sobre o que tinha comido, ou deixado de comer, antes da prova.

 

«Quem me dera que tivesse terminado a minha sandes ao pequeno-almoço mas a minha faceta teimosa decidiu que não e agora estou a ficar muito faminta-furiosa», escreveu. Com fome de comida e com fome de vitórias, já que voltou a não dar hipóteses. Com 98,25 pontos a fechar a terceira manga da final, numa altura em que já tinha a medalha de ouro garantida, a adolescente demonstrou mais uma vez que não há quem lhe consiga fazer frente.

 

Nem mesmo quando lhe perguntam a razão para escrever tanto sobre comida durante as provas. «Tipo, o que mais podes fazer?», respondeu. 

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A medalha de ouro, a primeira em Jogos Olímpicos, não podia ter surgido em melhor país. Os pais de Kim são sul-coreanos e a atleta ainda tem muita família a viver no país asiático. Ali, naquele momento, todos os sacrifícios foram certificados. Valeu a pena comprar uma prancha de 40 dólares no eBay quando era uma pequena criança, valeu a pena o pai ter abandonado o emprego para poder ir com a filha de oito anos para a Suíça. Valeu a pena alimentar o sonho em busca de uma recompensa tão saborosa como emocional.

 

«Odeio chorar mas desta vez vou deixar passar», disse Kim, referindo-se às emoções que sentiu durante a cerimónia de entrega de medalhas. Para ela, ganhar é tão natural como comer, mas desta vez foi diferente. Foi mais saboroso.