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É Desporto

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19 de Outubro, 2017

Chicago Cubs. O primeiro jogo do resto da vida

Rui Pedro Silva

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Era um dia especial. Era o primeiro jogo em casa da época seguinte ao título que tinha acabado com um jejum de 108 anos. Os bilhetes a um preço proibitivo voaram em segundos porque nenhum adepto queria perder aquela oportunidade. E nós lá no meio… 

 

Seis meses de antecipação

 

A decisão de que se ia estar em Chicago em abril de 2017 chegou semanas antes de os Cubs terem posto fim à seca de 108 anos sem ganhar o título. Estávamos no início de outubro de 2016 e o calendário já tinha sido definido.

 

A agenda era apertada e só havia uma data que coincidia: 10 de abril, o primeiro jogo da época dos Cubs no Wrigley Field. À medida que a equipa foi vencendo jogos nos playoffs, cresceram dois pensamentos no nosso cérebro: que bom seria se pudéssemos estar no primeiro jogo dos Cubs em casa como campeões e que mau será para o preço dos bilhetes se Chicago conquistar o título.

 

O resto da história é conhecida. Os Cubs venceram no prolongamento do sétimo jogo da World Series e festejaram o título. Os bilhetes acompanharam a euforia. É preciso ter em conta três fatores: os jogos dos Cubs são tradicionalmente dos mais caros na liga; o primeiro jogo de cada equipa em casa gera sempre mais expetativa e procura; o primeiro jogo dos Cubs em casa numa época em que se festeja um título depois de 108 anos… nem dá para pensar.

 

De novembro de 2016 a fevereiro de 2017 acompanhámos diariamente a evolução do preço dos bilhetes em sites de revenda. Sabíamos que seriam sempre mais caros mas podia aparecer uma boa oportunidade antes da data oficial de venda, no final de fevereiro. Nunca chegou. Esperámos pela hora certa.

 

Marcámos o dia na agenda. O acesso ia ser feito por uma sala virtual que selecionaria aleatoriamente todos os interessados. Duplicámos as possibilidades ao estar em computadores diferentes.

 

Quando a hora chegou, os bilhetes tinham voado, mesmo tendo conseguido entrar no primeiro minuto do prazo. Nas redes sociais, adeptos queixavam-se do mesmo, acusando os sites de revenda de terem acesso privilegiado. E nós ali estávamos, entre a resignação de não ir ver o jogo e a obrigação de regressar aos sites que vendiam a preços mais caros, demasiado caros, ou pelo menos suficientemente caro para o valor nunca ter sido mencionado em voz alta (ou em teclas escritas) desde então.

 

Hesitámos. Não foi simples. A cada minuto apareciam e desapareciam novas oportunidades de bilhetes, umas mais baratas do que outras, e seria sempre um risco tomar uma decisão. E se amanhã for mais barato? E se esgotar mesmo? Decidimos avançar com a melhor oferta que conseguimos ver naquele momento.

 

Entendemos que tinha sido o universo a reequilibrar o estado das coisas: afinal, menos de um ano antes tínhamos estado no último jogo da carreira de Kobe Bryant com bilhetes que rondaram os 65 euros (62 dólares mais taxas de emissão).

 

Flash-forward para abril

 

Uma dica de quem é doente por desportos americanos: abril é o melhor mês para estar nos Estados Unidos. As fases regulares da NBA e da NHL estão a acabar e a da MLB está no início. Consegue conjugar-se três ligas a preços mais convidativos do que em época de playoffs (hoje, 19 de outubro, há jogos de NBA, MLB, NHL e NFL, mas é um caso raro).

 

Só há um problema: dependendo do destino, os estádios de basebol em abril são um autêntico desafio ao corpo humano, tal é o frio que se arrisca apanhar se o jogo tiver início marcado para o final da tarde. Em Chicago, a experiência não podia ter sido pior, por muito que estivéssemos prevenidos para isso. Mas já lá vamos… 

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Estivemos em Chicago poucos dias depois de Boston. No Massachusetts, o jogo de basebol tinha sido adiado pela chuva e tínhamos perdido a oportunidade. Em Chicago, a margem de erro também era curta. Não podia chover, o jogo não podia ser adiado. Mas choveu. E fez frio, muito frio.

 

Desde o início do dia, começámos a seguir os boletins informativos e meteorológicos para percebermos o que podíamos esperar. O primeiro jogo da temporada em casa estava a gerar muita euforia – naturalmente – e os Cubs iam aproveitar a tarde para estrear um novo espaço para convívio dos adeptos.

 

Não o aproveitámos. Fomos de metro para o estádio numa altura em que já era praticamente impossível ter espaço para andar na rua. As portas tinham acabado de abrir e gostamos de entrar com tempo, para absorver cada pedaço de história, especialmente naquele que é o segundo estádio mais antigo da liga.

 

O primeiro desafio foi esse. Conseguir entrar. Os Cubs foram das primeiras equipas dos Estados Unidos a proibir os bilhetes em papel. Para entrar, é preciso ter a aplicação específica aberta no telemóvel (tinha tudo para correr bem numa sociedade como a portuguesa, não tinha?) e os bilhetes validados. Mas, para nós, o roaming é um obstáculo, por isso fazemos um print screen num momento em que apanhamos wi-fi.

 

Avançamos com desconfiança, em portas uma ao lado da outra, e só temos 50% de sucesso. «Mas isto é um print screen?», pergunta uma rapariga que está a fazer o controlo dos bilhetes. A explicação surge sempre com o mesmo discurso de coitadinho: «Ah, mas somos de Portugal, viemos de longe, não temos roaming, achámos que podíamos entrar com o print-screen». Há alguma insistência mas a anuência surge depois. Estamos lá dentro.

 

E agora… esperamos

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O jogo tinha início marcado para as 19h05 mas a organização tinha pedido aos adeptos para irem uma hora mais cedo devido à cerimónia de hastear do banner relativo ao título de 2016. O momento era especial e nós não queríamos ficar de fora.

 

O que se seguiu foi uma experiência rara. O estádio estava muito bem composto mas não demorou muito até aparecer o aviso nos monitores de que devido às condições meteorológicas, o início da cerimónia ia ser adiado.

 

Sim, mas quanto tempo? A chuva no início começou por parecer inócua mas rapidamente se transformou numa torrente capaz de ameaçar a realização do jogo. Só nos restou… esperar ao frio mas, pelo menos, protegidos da chuva.

 

Os minutos foram passando e nada acontecia. Ao olhar em redor, chegámos à conclusão de que os americanos só podem ser malucos da cabeça. Tudo bem que o tempo em Chicago tinha estado quente nos dias anteriores, mas vermos gente de calções e t-shirt era suficiente para mexer com o nosso sistema nervoso e ter frio por empatia.

 

A fome chegou mas a fila para as barraquinhas abertas ameaçava demorar mais tempo do que o próprio jogo. De qualquer forma, não se perdia nada. Aí, eram eles a perceber que nós estávamos bem agasalhados. «Sim, sou portuguesa, eu vim preparada para tudo», foi uma forma discreta de evitar dizer que não éramos burros o suficiente para vir para um jogo de basebol em abril, em Chicago, à noite, de calções e t-shirt.

 

Entretanto, começa a haver um bruá no setor ao nosso lado. Um homem é rodeado por adeptos, que lhe parecem agradecer a vida. É quase caso para isso. Quando passa mesmo ao nosso lado, percebemos que é Tom Ricketts, um dos proprietários dos Cubs.

 

Festejar uma segunda vez

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Há quem diga que um jogo de basebol é aborrecido, agora imaginem estar horas consecutivas num estádio de basebol cheio sem nada para fazer. A organização percebeu isso e decidiu passar o jogo decisivo da final da Liga Nacional da época anterior, com os Dodgers. Não completo, entenda-se, porque ninguém queria ver os bons momentos do adversário (de outubro e daquela noite de abril).

 

Foi uma experiência coletiva impressionante. Na maior parte das jogadas, a atenção não era grande, mas parecia soar uma buzina coletiva quando se começava a antecipar algumas das jogadas mais importantes. O campo estava vazio mas as bancadas festejavam como se estivessem a ver o melhor jogo das suas vidas até então.

 

Com isto, já passava da hora marcada para o início do jogo e não havia forma de arrancar. Em vez de dar imagens de outro jogo, os ecrãs passaram para a transmissão do episódio em direto de Dancing with the Stars. Porquê? Porque um dos participantes era David Ross, catcher que tinha sido campeão meses antes e que entretanto acabara a carreira.

 

É capaz de ser o único momento na vida em que uma pirueta e um passo de dança de difícil execução foram festejados como se de um home run se tratasse, mas David Ross era, ali naquele momento, o espelho da união dos adeptos dos Cubs em torno de um objetivo. Apesar de só ter jogado um ano em Chicago, o veterano tornou-se rapidamente um dos favoritos e isso estava bem patente ali.

 

No final da atuação, a apresentadora contou a David Ross que um Wrigley Field repleto de gente (mais de 41 mil pessoas) o tinha visto a dançar. A reação foi indescritível.

 

Finalmente os passos em frente

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Os passos de David Ross parecem ter sido o mote para a noite começar finalmente a andar para a frente. Mas não foi tão bom como se esperava e o frio e vento (afinal Chicago é a Windy City) não ajudaram.

 

Houve aplausos, ovações e momentos comoventes, com jogadores míticos de equipas que nunca tinham conseguido vencer um título a fazerem parte da cerimónia, mas pareceu ser feito a correr, perante o desconforto aparente de todos os participantes, sem esquecer que havia ainda um jogo para disputar.

 

Mesmo o erguer do banner, supostamente o momento mais alto da cerimónia, foi traído pelo vento, com o pano a enrolar-se no poste de metal e a demorar muito mais tempo do que o previsto até se desfraldar definitivamente e ler-se finalmente «Chicago Cubs – 2016 World Series Champions».

 

Terminada a cerimónia, foi preciso ainda fazer a apresentação das equipas e o aquecimento dos jogadores, que esperavam há tanto como nós. Feitas as contas, o primeiro lançamento do jogo foi feito às 21h01 (03h01 da manhã em Portugal), depois de uma hora e 56 minutos de atraso.

 

A temperatura tinha caído ainda mais (estava agora nos cinco graus) e o vento tornara tudo mais desconfortável. A cada instante, sentia-se uma muralha de gelo a embater-nos na cara sem piedade e nem o bater dos pés constante no chão de pedra ajudava a manter o corpo quente.

 

O jogo em si seria um fracasso. Não se pode esperar muito quando o desconforto é tão grande que se começam a fazer contas a quantos minutos vai demorar cada metade de inning para descobrir a que horas poderá acabar o jogo.

 

Negociamos entre nós. Mais um inning? Até haver um ponto? Já? Mas vamos sair depois de ter gastado tanto dinheiro? O conforto ganhou qualquer discussão moral e decidimos ir embora no final do terceiro inning.

 

Seguir a corrente

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Não fomos os únicos. Havia mesmo muita gente a abandonar o estádio. Curiosamente, ao sairmos das portas, os seguranças perguntavam se ainda se ia voltar. Não percebemos logo mas depois fez sentido. A nova loja dos Cubs estava a abarrotar e casacos e cobertores estavam a vender-se a um ritmo alucinante.

 

Decidimos entrar mas apenas para comprar uma bola para a coleção e… aproveitar o ar condicionado quente na cara. Íamos precisar daquele momento para voltarmos a casa em condições.

 

No metro, havia adeptos dos Cubs em cada carruagem. Discutia-se o grau de desconforto a que tinham sido sujeitos. Mas sentia-se a felicidade de se ter feito parte de um momento histórico dos Cubs: não do momento em si mas da celebração desse feito.

 

Depois de três innings no estádio, demorámos outros três a voltar a casa, bem a tempo de vermos os últimos três pela televisão. Parecia impossível mas o ambiente nas bancadas parecia ainda mais desconfortável e o número de cadeiras vazias aumentava a cada paragem.

 

Não foi fácil mas se fosse fácil também não seria para os Cubs. Afinal, aquela era a primeira paragem depois de um caminho que tinha demorado 108 anos.

RPS/SSM